O ministro da Fazenda, Fernando Haddad | Imagem: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Governo ensaia correção de rota, por Vera Magalhães

Governo ensaia correção de rota, por Vera Magalhães

Depois de deixar Haddad superexposto, Lula modera declarações e indica discurso de menos gastos


Por Vera Magalhães

Parece ter caído a ficha de Lula de que seu estilo habla y habla do primeiro semestre jogou contra ele próprio e deixou Fernando Haddad superexposto na missão inglória de cumprir a meta fiscal e aumentar a arrecadação de todas as formas, enquanto o resto do governo se negava a conversar sobre o necessário corte de gastos.

O presidente tem adotado tom bem mais cauteloso em suas falas e deixou um pouco de lado - difícil saber se por ora ou em definitivo - os ataques ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Também passou a falar que nenhum governo pode gastar mais que aquilo que arrecada, provavelmente convencido diante dos números bastante preocupantes do relatório de despesas e receitas divulgado nesta semana, que orientou o anúncio do congelamento de R$ 15 bilhões do Orçamento, bem recebido pelos agentes econômicos e por analistas.

Com isso, Lula tira um pouco o fardo dos ombros do ministro da Fazenda, que sai de férias depois de seis meses de embates constantes e derrotas amargas, com a pecha de "taxador" que a oposição bolsonarista explora na forma de memes e postagens em redes sociais.

Haddad demonstrou maturidade ao não cair na "pilha" e tentar responder ao tipo de mensagem que, se colar, pode causar estrago de imagem. Sua equipe aposta que os resultados da economia falarão por si sós e tratarão de dissipar a ideia de que o governo tenta arrecadar mais aumentando tributos - visão que, ademais, não condiz com os dados concretos, uma vez que as medidas anunciadas pela Fazenda foram todas voltadas a rever benefícios, incentivos e créditos tributários para setores específicos, e não resultaram em aumento real da carga tributária federal.

Haddad também tem sido penalizado com a missão de ser praticamente um defensor solitário do cumprimento da meta fiscal, daí ter virado alvo das tiradas cômicas. Por que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, está sempre ausente dos holofotes na discussão sobre gasto público, se mantendo sempre nos bastidores, quase sempre em sentido oposto ao colega da Fazenda?

O segundo semestre parece apontar para uma correção de rumo, a não ser que Lula acabe retomando sua sanha verborrágica que, do nada e com nenhum ganho político para si ou para seu governo, ajudou na escalada do dólar ao longo do mês de junho.

O curioso do atual desenho do papel de cada um no jogo de lidar com a política fiscal e demonstrar preocupação com o gasto público é que integrantes do governo apontam o papel de Arthur Lira como importante aliado na agenda. Foi ele um dos primeiros a alertar sobre o risco de estouro dos gastos com benefícios previdenciários, lá nos primeiros meses do ano.

O relatório divulgado nesta semana deixou claro que o temor era mais que justificado, e agora Lira, na saideira do mandato, tenta reforçar certa imagem positiva que cultivou com o mercado ao ser o paladino da reforma tributária e ao empunhar uma bandeira bem mais difícil de ser levada a cabo, a de nova reforma da Previdência.

O paradoxal é que Rodrigo Pacheco, antes sempre tido como alguém mais confiável e previsível na relação com o governo, hoje é visto com mais reservas, dada sua postura ao rechaçar duas medidas provisórias e atuar de forma individualista, não combinada com o governo, em questões-chaves como a renegociação da dívida dos estados e o projeto de autonomia financeira do Banco Central.

Por falar em BC, a ideia de correção de rota do governo na economia se completa com a decisão de Lula de antecipar para agosto a indicação do sucessor de Campos Neto e de tomar a frente na discussão sobre mais autonomia para a autoridade monetária. São todos sinais positivos depois de um primeiro semestre em que as conquistas de 2023 na economia deram lugar a uma sucessão de erros que cobrou um preço em termos da confiança conquistada pelo governo a duras penas.

O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/vera-magalhaes/coluna/2024/07/governo-ensaia-correcao-de-rota.ghtml