Paulo Rebello, presidente da ANS: "Temos que olhar e examinar dentro de uma lógica de dar mais acesso à população" | Imagem: Silvia Zamboni/Valor
'Não há possibilidade de paciente internado perder cobertura'

'Não há possibilidade de paciente internado perder cobertura'

Paulo Rebello, presidente da ANS, diz que atual modelo de gestão da saúde não se sustenta e pede participação de todos os setores envolvidos


Por Beth Koike - De São Paulo

Num cenário de insatisfação generalizada no setor de saúde, o presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, defende mudanças no modelo de remuneração para que haja interesses financeiros mais equânimes; analisa a viabilidade de um convênio médico ambulatorial, sem emergência, diante da expansão dos cartões saúde; e acredita que uma possibilidade para o plano individual voltar a ser mais comercializado é a adoção de reajustes por operadora e não um único indicador como ocorre hoje.

"Particularmente, acredito que, talvez, aplicando o reajuste de forma individualizada por operadora poderia ser uma mudança para estimular a concorrência", disse Rebello. Ele pondera que essa é uma opinião particular, não debatida de forma estruturada pela ANS.

A Fenasaúde, entidade do setor, defende que os reajustes sejam aplicados conforme a praça e o modelo de atuação da operadora. "As operadoras verticalizadas têm um custo menor quando comparado às seguradoras que trabalham com rede credenciada, além disso, há uma enorme diferença de custo por região no Brasil", disse Vera Valente, diretora executiva da Fenasaúde.

O presidente da ANS também criticou o cancelamento dos planos de saúde de pacientes em tratamento médico e idosos. "Não há possibilidade do paciente internado deixar de ter qualquer tipo de cobertura."

A seguir, os principais pontos da entrevista de Rebello concedida ao Valor.

Valor: A insatisfação generalizada no setor está piorando e, recentemente, houve o cancelamento unilateral de planos. Como esse cenário pode mudar, por onde começar?

Paulo Rebello: Com esse modelo que nos trouxe até aqui, não vamos conseguir nos manter daqui para frente. É preciso mudar esse modelo de gestão que tem muita assimetria de informação e de interesses financeiros. Precisa mudar o modelo assistencial, dar mais foco na sustentabilidade do setor sem abrir mão do acesso e da qualidade. Temos regulações para promoção da saúde, no paciente e mudanças em modelos de remuneração baseadas em valor. [As iniciativas] têm de partir das operadoras, dos prestadores, da indústria farmacêutica e do beneficiário para que possamos de fato mudar.

Valor: Operadoras e hospitais têm feito combinações de negócio. Pode ser um caminho para reduzir essa assimetria de interesses?

Rebello: É um movimento que estamos acompanhando, mas fazemos análise só entre operadores. Particularmente, vejo um setor muito pulverizado, há 671 operadoras. Outros países no mundo têm número menor. Dentro de uma lógica econômica, há redução do risco quando há número maior de beneficiários, o valor da mensalidade cai. Então, não vejo como problema. Agora tem que ver qual o tamanho desse mercado, se começar a reduzir muito, aí sim, pode gerar um problema.

Valor: Após a suspensão dos cancelamentos unilaterais, algumas operadoras interromperam a venda de novos planos. Há um risco dessa prática se normalizar?

Rebello: Temos alguns relatos com relação a esse tipo de conduta e já tivemos reuniões com operadoras. Havia uma desobediência, vamos assim dizer, por parte de algumas operadoras com relação ao prazo para cancelamento, intervimos e houve uma correção. Não aceitamos qualquer tipo de seleção de risco por parte da operadora.

A agência está estudando um novo modelo relacionado para o PME"
- Paulo Rebello

Valor: A agência está fazendo uma fiscalização criteriosa para checar se realmente não está havendo uma seleção adversa que impede o usuário vulnerável de voltar ao sistema?

Rebello: Foram abertos processos internos e fomos pessoalmente a São Paulo conversar com algumas operadoras pedindo respostas. Não pode haver distinção ou separação apenas de um beneficiário, quando houver o cancelamento é para todo o produto. É bom que se diga que é possível fazer a portabilidade, sem prazos de carência, quando houver rescisão unilateral. Tanto isso é verdade que, entre março de 2023 e abril de 2024, mês a mês, cerca de 1,3 milhão de pessoas cancelaram seus vínculos e 1,4 milhão entraram. Temos uma média de 45 mil solicitações de portabilidade motivadas pela busca de um plano mais barato e não necessariamente relacionados a cancelamento imotivado. Não estou dizendo que não precise aprimorar alguma questão. Agora não dá para simplesmente desconsiderar o que a regulação faz e vem sendo aplicada.

Valor: Boa parte dos cancelamentos unilaterais é de plano por adesão e PME que, em muitos casos, são comprados por pessoas com problemas de saúde e, consequentemente, têm custo e reajustes altos, mas atendem à grande população sem carteira registrada. Como isso pode ser solucionado?

Rebello: O PME, ao contrário do adesão, só pode ser cancelado na data de aniversário do contrato e precisa de notificação com 60 dias de antecedência. A agência está estudando um novo modelo relacionado para o PME. Hoje, esses contratos com até 29 vidas têm único reajuste dentro da operadora. Agora, estamos estudando aumentar para 100, 200 ou 300. A gente tem notado que nos planos PME há uma discrepância de reajustes, queremos que tenham um comportamento parecido com os empresariais.

Valor: E, quando esse estudo sai?

Rebello: Está praticamente pronto. Já está na nossa agenda regulatória, acredito que em breve faremos esse anúncio. Inclusive, quando o deputado federal Duarte Junior [autor do projeto de lei dos planos de saúde] esteve na agência, mostramos e explicamos esse novo modelo.

Valor: Quais outras propostas estão sendo apresentando ao presidente da Câmara?

Rebello: Nossa ideia é tentar fazer a portabilidade sem que haja necessidade do beneficiário ter que se deslocar até a operadora, fazer dentro do próprio sistema da ANS. Outra proposta é dar mais transparência ao reajuste do plano coletivo. A ideia não é igualar à regra do individual.

Valor: O que pode ser feito para retomada dos planos individuais?

Rebello: Eu, particularmente, já falei isso algumas vezes. Acredito que, talvez, aplicando o reajuste de forma individualizada, por operadora, poderia estimular a concorrência. Essa é uma regra que eu defendo, é uma opinião minha como um único diretor que não conversou, nem debateu com os demais diretores da agência.

Valor: Acha viável um reajuste diferenciado por praça?

Rebello: Acho que por praça é mais complicado, talvez adotando uma fórmula para cada uma das operadoras dentro da sua realidade conseguiria naturalmente estender para essa questão da praça. Dentro de cada praça, pode ter operadora A que dá reajuste de 3% e a operadora B que dá 5%. Isso estimula a portabilidade e concorrência.

Valor: O plano de saúde ambulatorial, sem direito atendimento de emergência, é viável? Não há risco de judicialização?

Rebello: Precisamos estudar. Dentro do setor já existe esse produto ambulatorial. Tem algumas restrições que foram estabelecidos à época do Consu 13 [regra de 1998 que obriga esse plano a dar atendimento de emergência por até 24 horas]. Agora, há uma situação em que temos os cartões de desconto que atendem, uma estimativa, em torno de 60 milhões de pessoas. Precisamos ver que somos um país pobre, temos que olhar e examinar dentro de uma lógica de dar mais acesso à população. Dentro da agência, não há ainda nenhum estudo no sentido de trazer um produto que tenha só exame ambulatorial e consultas, mas estou dentro de uma lógica, de olhar o setor como um todo.

Valor
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/06/21/nao-ha-possibilidade-de-paciente-internado-perder-cobertura.ghtml