Transição tecnológica não segue como o previsto, apesar de bom desempenho de veículos
Ana Carolina Amaral
Silenciosos, confortáveis e movidos a energia limpa, os ônibus elétricos enfrentam dificuldade de arranque: não saem do papel.
Além de zerar as emissões de gases causadores do aquecimento global nas suas operações, os ônibus movidos a energia elétrica também evitam a poluição do ar, ligada a doenças pulmonares nas cidades.
Os passageiros percebem benefícios ainda mais imediatos: os veículos são silenciosos, têm arrancadas mais suaves, não vibram e são mais frescos - tanto por conta do ar condicionado, quanto pelo fato de os motores não gerarem calor como os a diesel.
Frota de 50 novos ônibus elétricos perfilados em frente ao estádio do Pacaembu - Divulgação/SPTrans
A percepção foi registrada em pesquisa da prefeitura de Curitiba junto ao WRI (World Resources Institute) durante um teste de ônibus elétricos na cidade. Dos 506 respondentes, 95% afirmam que o veículo é silencioso e 94% destacam que ele contribui para a qualidade do ar. Para 81% dos passageiros questionados, o ônibus elétrico é mais confortável.
Apesar do melhor desempenho, a transição tecnológica está emperrada nas cidades brasileiras.
Segundo o monitor da E-bus radar, atualizado no último dezembro, dos 5.351 ônibus elétricos rodando na América Latina, apenas 444 estão no Brasil. Entretanto, o monitor não inclui dados de cidades como Porto Alegre e Curitiba, ambas com investimentos na frota elétrica.
A cidade de São Paulo é uma dos casos que foi do pioneirismo à estagnação na transição tecnológica.
Ainda em 2009, seis antes do mundo assinar o Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas, a capital paulistana sinalizava sair à frente com a criação da política municipal de clima, que previa completar a transição para ônibus movidos a energia limpa até 2018. O prazo não foi cumprido, e os vereadores paulistanos o esticaram para 2038.
Identificação de ônibus movido a bateria em terminal da cidade de São Paulo - Folhapress
O município recebeu, no ano passado, R$ 325 milhões do Banco do Brasil para incorporar novos ônibus elétricos à sua frota, mas o projeto não avançou.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Transportes publicados em abril, a participação dos elétricos na frota municipal saiu de 1,6% em 2021 para 2% neste ano. O programa de metas da prefeitura previa um salto para uma participação de 20% de ônibus elétricos na frota até o final deste ano.
Hoje, dos 2.019 ônibus circulando em São Paulo, apenas 380 veículos são movidos a energia elétrica - 179 deles funcionam a bateria e outros 201 são trólebus. "As entregas de novos veículos acontecem de acordo com a capacidade de produção dos fabricantes", afirmou a prefeitura em nota à reportagem.
No entanto, segundo pessoas familiarizadas com as negociações paulistanas, o município tem encontrado dificuldade de estruturar pontos de abastecimento da frota elétrica, que implica outro contrato de concessão: o de energia.
Pode parecer uma troca simples: tira-se de circulação os ônibus poluentes, movidos a diesel, e entram os ônibus elétricos. Mas a substituição tecnológica depende de arranjos que impactam desde o modelo de contratação das empresas concessionárias, passando pelo financiamento e chegando até a relação com fabricantes e empresas provedoras de energia elétrica.
"O ônibus elétrico é uma grande oportunidade de se criar novos modelos de contratação e remuneração de empresas concessionárias", afirma Adalberto Maluf, secretário de meio ambiente urbano e qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Como exemplo de inovação, Maluf cita a iniciativa de Niterói, que em 2018 passou a destinar recursos dos royalties do petróleo para investir no aluguel de ônibus elétricos, em um modelo que levaria a tarifas mais baratas.
Inovações como essa buscam resolver um dos maiores desafios do modelo atual de contratações, no qual as concessionárias são responsáveis pelo investimento em novos ônibus. Com um modelo de remuneração baseado em custos, o setor privado fica sem estímulos para a transição, de acordo com especialistas do setor ouvidos pela reportagem.
Em São Paulo, desde 2022, não é mais permitida a compra de novos ônibus a diesel. A aquisição de um ônibus elétrico, no entanto, é três vezes mais cara do que um ônibus a diesel. A vantagem financeira só aparece ao longo da operação: o elétrico equaliza os custos ao dispensar o gasto com o combustível, de acordo com pesquisa do Mobilab, da Universidade de São Paulo. Ela concluiu que o custo ao longo do ciclo de vida do ônibus elétrico é apenas 1% superior ao do ônibus a diesel.
"A pesquisa mostra que os custos totais de propriedade são praticamente iguais. Mas existe uma abordagem mais ampla que leva em conta também os custos sociais e climáticos. Esses fatores aumentariam a diferença do elétrico em relação ao convencional", afirma o professor Roberto Marx, da Escola Politécnica (Poli) da USP e do Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade.
O financiamento público é uma das chaves fundamentais para virar a chave na direção dos elétricos. Como parte do novo PAC, o governo federal liberou neste ano R$ 3 bilhões do orçamento para a aquisição de 2.549 ônibus elétricos em 48 municípios - que se inscreveram no fim do ano passado para receber o recurso.
"Gostaríamos que São Paulo tivesse aplicado [para receber o recurso], mas não aplicou. Para a gente foi ruim. O governo federal gostaria de ter ajudado a superar esses gargalos", afirmou Maluf.
Ainda segundo o monitor E-bus radar, a maior parte dos elétricos brasileiros é de trólebus e com participação maior da fabricante brasileira Eletra, seguida da chinesa BYD. Outras fabricantes também atuam no país, como Marcopolo e Volvo. Segundo especialistas ligados às fabricantes, a capacidade instalada para fabricação de elétricos no país é superior à demanda atual dos municípios.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2024/06/menos-poluentes-onibus-eletricos-patinam-para-sair-do-papel.shtml