Um dos mais recentes filmes da produtora A24, de Nova York, "O Simpatizante" retoma uma velha discussão em torno da Guerra do Vietnã, conflito que até hoje mexe com os norte-americanos a ponto de muitos afirmarem que os EUA não perderam a disputa, simplesmente deixaram o sudoeste asiático para que as forças do Vietnã do Sul dessem fim ao conflito.
Nas últimas décadas, a maioria dos filmes sobre essa guerra vem mostrando uma visão hollywoodiana de seu desfecho. Em "Os Boinas Verdes", John Wayne chega ao extremo de mostrar os EUA como vencedores. Mas o filme é de 1968, quando a população norte-americana, manipulada por Lyndon B. Johnson, Richard Nixon e Robert McNamara, acreditava piamente que a vitória era algo concreto e seu fim era só uma questão de tempo...
O próprio início do conflito é motivo de discussão. É sabido que, desde 1962, a CIA já mantinha um contingente de pelo menos dois mil agentes atuando como conselheiros militares no Vietnã do Sul. Em 1964, um incidente no Golfo de Tonkin marcou a entrada oficial do Exército dos EUA na guerra entre os dois Vietnãs. Já o final do conflito tem data certa: em 1975, o país retira suas últimas tropas, acantonadas na embaixada de Saigon.
Antes mesmo de Hollywood iniciar as superproduções sobre o tema, um documentário ficou famoso e desagradou o governo de Washington: "Corações e Mentes", de 1979, dirigido por Peter Davis e que atualmente está disponível no YouTube. Em seguida, surge uma leva de produções. "Rambo", de 1982, traz Sylvester Stallone interpretando o soldado que volta da guerra e não tem mais colocação em seu próprio país, onde é tratado como um pária.
Uma visão mais crítica começa a surgir em "O Franco Atirador", de Michel Cimino; "Nascido em 4 de Julho" e "Platoon", ambos de Oliver Stone (o próprio diretor um veterano do Vietnã); "Bom Dia Vietña", de Barry Levinson; o intrigante "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick; e "Apocalypse Now", grandioso como quase todas as obras de Francis Ford Coppola. Todos procuram exorcizar, de alguma forma, a derrota do maior exército do mundo diante de uma força bem menor (Vietnã do Norte) e seu braço guerrilheiro, formado pelos vietcongs.
"O Simpatizante", por sua vez, tem direção de Park Chan-wook, um dos maiores expoentes do cinema sul-coreano das últimas décadas. Hoa Xuande, da versão "live action" de "Cowboy Bebop" (2021), faz o papel principal, contracenando com Sandra Oh ("Grey's Anatomy", "Killing Eve"). Já o veterano ganhador de Oscar Robert Downey Jr. interpreta múltiplos papéis, enquanto o brasileiro Fernando Meirelles dirige um dos sete episódios.
O personagem de Hoa Xuande, chamado apenas de o "o capitão", atua como espião comunista infiltrado na polícia secreta do Vietnã do Sul. Com a queda do regime sulista, em 1975, ele planeja ficar e ajudar na reconstrução do país, mas acaba indo para os EUA acompanhando um general derrotado do Exército.
Uma vez na América, cabe justamente ao capitão expatriado investigar o general sulista e apontar um nome ao agente da CIA Claude, um dos quatro personagens de Robert Downey Jr., sendo os outros um cineasta inspirado em Francis Ford Coppola; um congressista em busca do apoio da comunidade vietnamita expatriada; e o infame professor Hammer, chefe do Departamento de Estudos Orientais de uma universidade californiana.
Seguindo uma trama de drama histórico misturada com thriller de espionagem, "O Simpatizante" é uma ácida sátira à ótica ocidentalizada dos filmes sobre a Guerra do Vietnã, com um pé na estética pop de Quentin Tarantino, que curiosamente nunca se juntou ao seleto grupo de diretores que abordaram o conflito na Ásia. Dividida em sete episódios, a minissérie é adaptada do romance homônimo de Viet Thanh Nguyen, vencedor do Prêmio Pulitzer, e pode ser vista no streaming do canal Max.
Produtora independente fundada em Nova York em 2012, a A24 já colocou no mercado filmes que a deixaram conhecida mundialmente, como "A Bruxa" (2015), "Moonlight: Sob a Luz do Luar" (2016), "Lady Bird" (2017), "Hereditário" (2018), "O Farol" (2019), "A Baleia" (2022), com o Oscar de melhor ator para Brendan Fraser; "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" (2022), que levou o Oscar desse ano; e "Zona de Interesse" (2023), muito elogiado pela crítica e pelo público.