João Antonio: conselheiro questiona prorrogação de 20 anos do contrato | Imagem: Reprodução/Facebook
Privatização da Sabesp avança em São Paulo, apesar de alertas do Tribunal de Contas

Privatização da Sabesp avança em São Paulo, apesar de alertas do Tribunal de Contas

Câmara Municipal de SP deve dar aval à manutenção do contrato com a empresa, mas órgão de controle aponta riscos, como aumento da tarifa e redução de investimentos

Por Cristiane Agostine e Lucas Ferraz - De São Paulo

A privatização da Sabesp avançou na cidade de São Paulo e a Câmara Municipal deve aprovar até o início de abril, em primeira votação, a manutenção do contrato do município com a empresa de saneamento. A aprovação deve se dar a despeito das críticas e dos alertas apresentados pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) sobre os possíveis prejuízos à capital paulista.

Na terça-feira (19), começou a tramitar na Câmara Municipal o projeto de lei enviado pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que permite a manutenção do contrato com a companhia, após a privatização. Depois da primeira votação, a Câmara deve fazer duas audiências públicas, apresentar modificações ao texto e votar mais uma vez. Essa segunda votação está prevista para acontecer entre maio e junho, segundo vereadores. O projeto precisa da maioria simples dos votos (28 dos 55 vereadores) em duas votações para ser aprovado. O governo calcula ter ao menos 35 votos.

A atual legislação prevê a possibilidade de rompimento do contrato com a Sabesp se a companhia for privatizada. Com o projeto de lei, a gestão municipal poderá fazer "ajustes necessários" no contrato e manter a concessão.

A cidade de São Paulo representa quase metade do faturamento da Sabesp, e a manutenção do contrato com a capital tornar a venda da empresa mais atrativa. Nos bastidores, parlamentares avaliam que o apoio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), à reeleição de Nunes fez com que o prefeito se empenhasse para aprovar a privatização.

A venda da empresa de saneamento é uma das principais bandeiras de Tarcísio. O governador tem articulado a tramitação da proposta, para terminar o processo de venda da Sabesp até o meio do ano, antes das eleições.

O líder do governo na Câmara, Fabio Riva (PSDB), diz que os vereadores estudam desde 2023 a privatização da Sabesp e avalia que o debate na Casa será célere. "Sabemos dos prazos eleitorais, e a Câmara tem certa urgência na tramitação, mas seguindo os ritos, com responsabilidade", diz Riva.

O TCM-SP, no entanto, avalia que a capital poderá perder investimentos em saneamento, afirma que não há garantias de manutenção da tarifa e vê prejuízos econômicos à cidade.

Alguns vereadores também levantam dúvidas sobre a privatização da Sabesp. Uma comissão com nove vereadores estuda desde outubro os impactos que a cidade poderá sofrer e nesta quinta-feira (21) aprovará um documento que servirá de base para os debates. Esses parlamentares afirmam que o governo estadual ainda precisa detalhar o plano de desestatização.

O presidente da comissão, Sidney Cruz (Solidariedade), integra a base do prefeito e apoia a privatização. Cruz afirma que o relatório da comissão vai endossar a venda da Sabesp desde que três reivindicações sejam atendidas: o aumento do repasse para o fundo municipal de saneamento de 7,5% para 8% (o último repasse, referente a 2023, foi de R$ 600 milhões); que o percentual correspondente à capital na negociação seja repassado a um fundo municipal, controlado pela prefeitura, e não estadual; e investimentos em saneamento.

Cruz diz que há pouca definição por parte do governo Tarcísio. Uma das questões é a prorrogação por mais duas décadas do contrato entre a Prefeitura de São Paulo e a Sabesp. O contrato vigente prevê que em 2039 os serviços de saneamento retornam para a administração municipal - dez anos depois da meta prevista de universalização, em 2029. Com o novo contrato proposto pelo governo do Estado, esse acordo de prestação de serviços com a Sabesp seria prorrogado até 2060 - 31 anos depois da universalização.

A renegociação dos contratos com os municípios faz parte da estratégia de viabilizar a empresa. A ideia do governo paulista é gerar valor para a companhia por meio da extensão dos acordos e "dividir os ganhos com as prefeituras" para investimentos e redução da tarifa. Na prática, a prorrogação do atual contrato por mais 20 anos ainda não foi devidamente explicada pelo governo, dizem vereadores.

"Esse ponto não está claro. Houve um pedido para prorrogar o contrato por ele dar segurança jurídica ao futuro gestor [privado da Sabesp] ", diz Sidney Cruz.

Parlamentares da oposição questionam uma aposta numa empresa ainda não privatizada, por tanto tempo (até 2060), num momento desafiador do ponto de vista climático e de novas tecnologias em diferentes campos. "É fazer uma aposta de risco, por muito tempo, em uma questão muito delicada e sensível para o futuro da cidade", diz Hélio Rodrigues (PT).

Em fevereiro, o TCM-SP enviou um alerta à prefeitura e à Câmara sobre os possíveis prejuízos à cidade. O conselheiro responsável por analisar o contrato de privatização, João Antonio, destaca alguns pontos, como a possibilidade de a cidade perder investimentos em saneamento. Hoje, 7,5% da receita bruta da Sabesp na cidade vão para um fundo de saneamento, usado na capital, e 13% da receita são destinados para investimentos no município. Para o conselheiro, esse cenário poderá mudar, especialmente se a política de distribuição de dividendos da Sabesp for alterada, aumentado a parcela do lucro distribuído a acionistas.

"Sabemos dos prazos eleitorais e a Câmara de SP tem certa urgência" - Fabio Riva

O TCM-SP registra que atualmente a Sabesp distribui aos seus acionistas o percentual mínimo de dividendos previsto na Lei das Sociedades Anônimas. Para o conselheiro, os futuros acionistas da Sabesp poderão alterar a distribuição de dividendos para aumentar o percentual de lucro, reduzindo a capacidade de investimento com capital próprio da empresa.

A prorrogação do contrato com a Sabesp por mais 20 anos, até 2060, também acendeu um alerta no TCM-SP. Para João Antonio, a proposta de Tarcísio é um "cheque em branco" para o governo estadual e tira a autonomia da cidade na negociação com a Sabesp.

Outro ponto destacado pelo TCM-SP é a falta de definição sobre a estrutura tarifária. O governo estadual diz que parte do dinheiro arrecadado com a venda da Sabesp será usado para subsidiar a tarifa. Será criado um fundo, com 30% da receita da venda e parte do lucro com dividendos, para ajudar a manter a tarifa mais baixa. No entanto, o conselheiro pondera que isso é "insustentável", já que os recursos recebidos com a privatização são finitos e faltam explicações sobre como a tarifa será mantida depois que esse montante acabar.

Ao alertar sobre a possibilidade de aumento da tarifa, o TCM-SP chama a atenção para alguns aspectos. Um deles é universalização do atendimento até 2029, antecipando a meta de 2033. Para universalizar o serviço de saneamento, com a ampliação do número de pessoas atendidas, é preciso mais investimentos em obras - o que pode se refletir no valor da tarifa praticada. As áreas rurais e os núcleos urbanos informais consolidados (as ocupações) não estavam contemplados pelos contratos de saneamento vigentes.

Ao antecipar a meta de universalização, a Sabesp deve ser pressionada a gastar mais para fazer os investimentos em um tempo menor do que o previsto. O conselheiro do TCM-SP registra que não é possível saber quais serão as fontes de recursos e se serão suficientes, de forma a não aumentar a tarifa.

O TCM-SP diz também que faltam definições sobre a tarifa social. Um eventual aumento dos beneficiários poderá pressionar o restante da população a pagar mais.

Ainda sobre a tarifa, João Antonio cita estudos do TCM-SP que mostram que a tarifa na capital e nas demais cidades da região metropolitana poderia ser 15% menor. Em contrapartida, teria de haver um aumento médio de 43% nas demais regiões. Atualmente, há uma política de subsídio cruzado, em que alguns municípios têm uma contribuição maior para poder custear investimentos em cidades deficitárias.

Na avaliação de João Antonio, Câmara, a prefeitura e o TCM-SP precisam negociar uma solução jurídica para que a cidade amplie seus ganhos com a privatização da Sabesp, já que responde por cerca 45% da receita da empresa. "O que o Tesouro municipal vai ganhar com essa privatização?"

O governo estadual afirma que tomou conhecimento dos questionamentos apresentados pelo TCM-SP e diz que irá analisar os pontos apresentados pelo conselheiro.

"Entendemos que todos compartilham da mesma preocupação, que é assegurar à cidade de São Paulo serviços de saneamento de melhor qualidade, mais baratos e para toda a população, especialmente aos mais pobres. Os pontos apresentados estão sendo analisados, e serão respondidos de forma oportuna, podendo inclusive ser feitas melhorias no contrato de concessão da Sabesp, que será encaminhado em breve aos municípios", diz a gestão, em nota.

Valor
https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/03/21/privatizacao-da-sabesp-avanca-em-sao-paulo-apesar-de-alertas-do-tcm.ghtml