Jóquei recordista mundial, Jorge Antônio Ricardo acompanhou com interesse o debate, na seção 'Espaço do Leitor", no site Raia Leve, sobre as poucas montarias que hoje em dia possui. As minguadas oportunidades que lhe são dadas, no turfe carioca, por proprietários e treinadores. E as discussões de alguns turfistas sobre a sua virtual aposentadoria. Uns a favor, outros contra, e, ainda aqueles que lhe permitem o direito de fazer a sua própria escolha.
Sensibilizado com o envolvimento do público no assunto, Ricardinho, recordista mundial de vitórias (13.285), mais de 40 anos de profissão, achou que os milhares de fãs mereciam que ele falasse do tema, e tentou esclarecer a todos sobre as suas opções de vida a esta altura do campeonato, depois de carreira tão longeva.
"Nas minhas últimas entrevistas ... sempre repeti que a hora de parar estava chegando. Mas, que a minha história profissional, escrita por longos anos, os resultados conquistados, e os títulos acumulados, me davam pleno direito e clarividência para decidir a hora. O meu problema está localizado na palavra AMOR. Nada no mundo me dá tanto prazer quanto montar. Eu tenho plena consciência dos riscos da profissão. Afinal, já fraturei quase todos os ossos do corpo para ganhar tudo o que ganhei. Além disso, como um atleta cuidadoso, também sei que nenhum esportista, com mais de 60 anos, pode ter o desempenho do início de carreira. O ciclo se aproxima do fim", falou, emocionado, ao jornalista Paulo Gama.
Jorge Ricardo acompanhou as declarações dos internautas com atenção. Achou que a maioria esteve a seu favor e teve postura democrática respeitando as suas opções. E, até os que criticaram a sua postura de aceitar o declínio com humildade, considerou que faz parte de uma sentimental e inexorável tristeza de, em breve, não ver mais o seu nome nos programas oficiais da Gávea. "Eu entendo a turma toda. Mesmo os fãs de outros grandes jóqueis, como Juvenal, Goncinha, Albênzio Barroso e Gabriel Meneses, os melhores que enfrentei na raia, sempre me respeitaram como um rival honesto, competitivo, digno e leal. Todos sabem que no meu auge sempre fui um osso duro de roer", afirma com lágrimas nos olhos. E se emociona de lembrar do uruguaio, Pablo Falero, no dia da sua despedida das pistas na Argentina.
"Naquele dia eu pude viver a dimensão do que representa sair definitivamente de cena. Falero, o sexto jóquei do mundo em número de vitórias, em todos os tempos, recebeu abraços de todos os colegas presentes no último dia de profissão. Foi um jóquei tinhoso, determinado e duro na queda. Fomos rivais terríveis um para o outro, no turfe argentino. Neste seu último dia, na hora do meu abraço, nos olhamos, e aquele, que deveria ser apenas um cumprimento cordial, se transformou num abraço regado a lágrimas copiosas entre ambos. Parecíamos duas crianças depois de ter o brinquedo quebrado. Nos seus olhos estava a amargura e, com certeza, a maior tristeza que jamais tinha sentido em toda a sua vida. E, ele percebeu, que eu conseguia sentir por ele toda aquela dor. Ele parecia me dizer como os seus olhos. "A sua hora da despedida deste mundo de sonho, também vai chegar um dia".
Jorge Ricardo explica que a decisão de parar é algo pessoal e deve ser respeitada. Faz questão de tranquilizar os fãs com relação a especulação, que poderia estar montando por questões financeiras e assegura que terá saudade de todos, até dos seus críticos mais exigentes. "Eu vou sentir saudade dos fãs, da linda carreira que pude construir e até daqueles que têm ressalvas ao meu sucesso. A minha vida financeira pessoal está equilibrada, e definida há muito tempo. As poucas montarias, em algumas semanas, me fazem até pagar para montar. Mas se trata de uma despesa bem feita. Adoro montar. A sensação de ganhar um páreo é aquela que me traz maior prazer nesta vida. Sacrifiquei a família, os meus filhos, para viver toda esta jornada maravilhosa. Sou grato ao Jockey Club pela homenagem da estátua. É uma honra ficar eternizado no lugar da minha existência em que mais fui feliz", admite.
Com a relação a polêmica de receber poucas montarias, Jorge Ricardo não foge da raia e afirma que existe avaliação equivocada do seu atual desempenho na raia. As pessoas querem o Ricardinho de 20 anos, na plenitude do início de carreira, e, segundo ele, isto ninguém pode dar. "Experiência, malícia e conhecimento de causa me permitem montar e competir. Agora, para isso, é preciso ter montarias com chance. Qualquer piloto, por melhor que seja, não consegue derrotar rivais de melhor nível técnico. O cavalo é o verdadeiro herói do turfe. O jóquei faz diferença em páreos equilibrados. Os proprietários, e treinadores, devido ao preconceito da idade, preferem me dar montarias em páreos duros. Ninguém consegue levar a melhor assim. Basta ver o exemplo do Vitor Paim, treinador do Stud Instante Mágico. Ele me deu três montarias nas últimas semanas. Duas ganharam e o Jet Class, sem correr há oito meses, foi segundo colocado num clássico. Agora conseguir fazer gol com pules enormes não é nada fácil".
Apesar das circunstâncias desfavoráveis, Jorge Ricardo afirma não ter mágoa de ninguém. Compreende a fase da vida em que se encontra e espera que os fãs façam o mesmo. Entretanto, faz questão de afirmar que poderia produzir mais, com montarias melhores. "Se cada treinador e proprietário para quem proporcionei muitas alegrias, me dessem, cada um deles, uma montaria com chance por semana, o meu resultado seria melhor. Gosto do ambiente do turfe, nasci nele, e me sinto bem. E na raia então, nem se fala. Adoro montar. Ninguém vai decidir por mim o dia de parar de fazer o que mais gosto. Este direito adquiri nas pistas com mérito. Por enquanto vou driblando a tempestade. Quando enjoar a ração, vou embora de fininho. Com certeza deixarei saudade em todos vocês", brinca o veterano jóquei.