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Qual o futuro da Netflix e dos serviços de streaming?

Qual o futuro da Netflix e dos serviços de streaming?

Após comunicar a perda de 200 mil clientes no último trimestre, sofrer pesadas perdas na Nasdaq e figurar nos principais noticiários da imprensa mundial durante toda a semana passada, a Netflix vive agora a dura expectativa de perder cerca de 2 milhões de clientes pagantes nos próximos meses, por causa de uma combinação entre o acirramento da concorrência, a luta contra a pirataria e o compartilhamento de senhas e sua decisão de elevar os preços em um momento duro, de inflação em alta, para a economia norte-americana.

Depois de anos enfrentando a poderosa indústria cinematográfica de Hollywood, com a produção de conteúdo que incluiu séries e filmes concorrentes e até ganhadores do Oscar - O Gangster, Roma, Don't Look Up -, a Netflix passou a conviver com um pesadelo financeiro. O preço de suas ações caiu quase 40%, o que deixou seu valor de mercado na casa dos US$ 97 bilhões - um terço em comparação com US$ 300 bilhões em novembro.

Entrar na seara da centenária indústria cinematográfica mais do que inspirou - provocou - alguns dos maiores conglomerados de mídia dos Estados Unidos a lançarem ou comprarem plataformas próprias de streaming: Hulu e a Disney Plus, da Disney; HBO Max, da Warner Bros Discovery; Peacock, da NBCUniversal; e Paramount Plus, da Paramount. Os grupos de tecnologia Amazon e Apple também lançaram seus serviços de streaming e conteúdo, em uma tentativa de copiar o modelo da Netflix e não ficar para trás nessa disputa.

O modelo original da Netflix transformou os setores de TV e cinema e deu origem a uma guerra violenta por assinantes. Mas o crescimento do setor de streaming se baseava na premissa de que existia um mercado mundial de até 1 bilhão de domicílios dispostos a pagar por tais serviços. Não por acaso, o único continente em que a Netflix registrou crescimento no trimestre foi o asiático, da populosa China. Mas tal premissa não vem se sustentando, visto que, nos demais continentes, houve queda generalizada de usuários.

Um momento muito diferente de quando a Netflix lançou seu revolucionário serviço de streaming nos EUA, em 2007, com um formato diferente das TVs abertas e mesmo das já tradicionais programações de TVs a cabo, que se repetiam desde o início dos anos de 1990. Ela passou a oferecer filmes e programas de TV já lançados, licenciados de outros criadores.

Até que, em 2012, o mesmo ano em que se lançou no Reino Unido, passou a desenvolver conteúdo próprio, e ganhou espaço com um primeiro e grande sucesso, "House of Cards". Foi quando subverteu o modelo tradicional da TV ao oferecer todos os episódios de uma só vez; não um só um por semana, de modo que os telespectadores pudessem fazer "maratonas" para assistir a séries inteiras.

O resultado foi um tremendo sucesso para o segmento. Nos 10 anos seguintes, desde então, a nova plataforma chegou a 222 milhões de assinantes em 190 países, um aumento de mais de 750%, tornando-se lucrativa pela primeira vez no fim do ano passado.

De 2018 a 2021, a Netflix gastou US$ 55 bilhões em programas de TV e filmes enquanto corria para competir com as grandes redes de TV e os estúdios de Hollywood. A ofensiva precipitou uma disputa por posições em todo o setor, obrigando a concorrência a gastar muito para ganhar algum espaço. Em 2019, a Amazon dispendeu US$ 1 bilhão em um único programa de TV - uma adaptação de "O Senhor dos Anéis", considerado o programa mais caro da história.


Até há pouco tempo, Wall Street aplaudia - e remunerava - os gastos extravagantes com streaming. Depois que a Disney anunciou uma linha de programação do Disney Plus baseada em propriedades da Marvel e da Star Wars, em dezembro de 2020, suas ações chegaram a um recorde por um breve período.

Hoje, porém, a percepção é outra. Um momento que serviu como primeiro alerta para o setor de streaming ocorreu em fevereiro deste ano, quando os executivos da Paramount anunciaram grandes investimentos em seu serviço Paramount Plus e viram o preço de suas ações despencar em quase 20%.

Wall Street não se convenceu de que uma mudança para o streaming melhoraria os resultados da Paramount. E o anúncio da Netflix este mês só veio confirmar uma coisa para os investidores: que não importa a excelência da qualidade da programação, é pouco provável que o setor de streaming, sobretudo com tamanha concorrência, gere o tipo de lucros que os grupos de TV e cinema fizeram na era pré-streaming.

Agora, com o furacão à vista, a Netflix anunciou uma série de medidas para tentar resistir à desaceleração no número de assinantes. Durante uma videoconferência com investidores semana passada, o diretor financeiro Spencer Neumann disse que a empresa reduziria parte dos gastos, embora executivos da Netflix garantam que ela continuará a gastar mais do que seus rivais do segmento na produção de novos filmes e séries.


O diretor financeiro da Netflix Spencer Neumann - Foto: Divulgação 

O desafio da Netflix aqui não será apenas dela. A concorrência também terá que decidir se gastará muito ou não com seus streamings e a produção de conteúdo. Analistas do mercado já consideram inclusive a possibilidade de alguns estúdios desistirem do streaming e se tornarem apenas fornecedores de conteúdo. Um quebra-cabeças para tradicionais empresas como Disney, NBCUniversal e Paramount, além de Amazon e Apple, duas gigantes que não apresentam problemas de caixa ou de queda de rentabilidade.

A Netflix também abandonará sua oposição tradicional à inclusão de publicidade na plataforma. Seu cofundador e CEO Reed Hastings revelou, na mesma videoconferência da semana passada, que a empresa deverá examinar planos mais baratos nos próximos dois anos, com a adição de publicidade - um serviço mais barato e sustentado por anúncios que pode estar disponível em menos do que esses anunciados 24 meses.

"Aqueles que seguem a Netflix sabem que sou contra a complexidade da propaganda e sou um grande fã da simplicidade das assinaturas", disse Hastings. "Mas por mais que eu seja fã disso, sou um fã ainda maior da escolha do consumidor." Ainda segundo ele, ficou "bem claro que está funcionando (a publicidade) para o Hulu, a Disney está fazendo isso, a HBO fez isso. Não temos dúvidas que funciona", concluiu.

Presente no Brasil há 10 anos, a Netflix é o maior streaming por aqui e em todo o mundo. Até sofrer a primeira perda de assinantes de sua história, a companhia contabilizava 222 milhões de usuários, seguida pela Amazon Prime (200 milhões), Disney (130 milhões), HBOMax (74 milhões), Hulu (41 milhões) e AppleTV (36 milhões), segundo dados recentes do site de pesquisa e conteúdo Snaq. Fora esses nomes de ordem mundial, a Netflix enfrenta também concorrências regionais. No Brasil, a plataforma Globoplay já contabiliza 20 milhões de clientes, contando com a sólida bagagem da Rede Globo na produção de conteúdo de filmes, séries e novelas.