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Transformar o Brasil em um país digital, o desafio do próximo governo

Transformar o Brasil em um país digital, o desafio do próximo governo

O País pode se transformar rumo ao seu desenvolvimento tecnológico? As condições estão postas, mas será preciso empenho político, econômico e de toda a sociedade civil.

A pandemia mundial de Covid-19 acelerou as discussões sobre a necessidade dos países se transformarem de fato em nações digitais, interconectadas umas às outras, como se não houvesse mais fronteiras. Com a pandemia, as necessidades para que isso ocorra sem mais demora vieram à tona, como no caso de crianças e jovens que ficaram tanto tempo sem aulas no Brasil por conta das deficiências nas conexões do País.

É o que procuraram mostrar, em artigo publicado esta semana no jornal Valor, os professores Francisco Gaetani e Virgílio Almeida, ambos com carreiras direcionadas ao desenvolvimento tecnológico e políticas públicas voltadas para esse setor. Além da questão escolar, eles apontaram, em seu texto, a ausência de centros de saúde integrados na internet, e também de uma identidade digital única para todos cidadãos. "Se fôssemos um país digital, teríamos lideranças políticas criando políticas e legislações para acelerar o avanço digital no Brasil".

Como não somos um país digital, alertam os especialistas, apenas tivemos alguns avanços, sobretudo no "gov.br", mas não de uma maneira integrada para toda a sociedade. Dessa forma, ficaram lacunas que afetaram setores e grupos fora do processo de transformação digital. Correr atrás para extirpar esse atraso é mandatório.

E se o novo governo a ser eleito no final deste ano estabelecesse como prioridade nacional transformar o país em uma potência digital? Está aí uma pergunta boa para aqueles debates eleitorais muitas vezes cansativos e com as mesmas e repetitivas perguntas. Alguns candidatos provavelmente não responderiam, até porque não teriam o menor interesse no assunto...

Pensar o Brasil rumo a 2023, com planos ambiciosos para se tornar uma economia digital, competitiva e moderna. Acabar com a exclusão digital onde brasileiros de todos os gêneros, raças e religiões possam usufruir integralmente da vida digital, na educação, no trabalho, nas oportunidades, no lazer, nos serviços de governo. Uma nação onde o arcabouço legal para o mundo digital garanta segurança aos cidadãos, contra violações de privacidade, vazamentos de dados, ataques de hackers e patrulhas digitais que distribuem ódio e fake news.

E quais seriam as políticas públicas para que em 2023 o Brasil comece uma nova trajetória no mundo digital? É a pergunta que fazem os professores em seu artigo, para o qual eles mesmos se encarregam da resposta: a maioria dos países desenvolvidos elegeu a estratégia de transformação digital como uma de suas prioridades nacionais. Há uma corrida para o futuro em curso, da qual o Brasil parece ainda em dúvida sobre se lhe interessa - ou não - participar, e sobre o que isso significa.

No atual cenário, os autores do artigo alertam que a estratégia digital, mesmo que ela exista desde 2018, não faz parte das prioridades nacionais. As razões para que isso aconteça são três: a descoordenação do centro do governo federal, o desmanche das bases de dados nacionais e a incompreensão da importância da transformação digital para um desenvolvimento inclusivo.
No primeiro caso apontado, a rotatividade dos ministros sugere uma dificuldade muito grande do governo em organizar-se e atuar de forma coordenada. Difícil discernir prioridades nas falas oficiais, confusas e contraditórias. No segundo caso, o país caminha para um voo cego em função dos processos de desestruturação de instituições como o Inpe, Capes, CNPq, Inep, o Ibama e o próprio IBGE. Some-se os problemas nas bases de dados como o Datasus. Finalmente há o "hackeamento'' das bases de dados do Tesouro, Receita, Banco Central e Ministério da Saúde. No terceiro caso, há o desconhecimento generalizado da necessidade urgente de se trazer a transformação digital para o centro das decisões estratégicas.

Para os professores, o caminho para a mudança começa por inverter o rumo desses três vetores, para se chegar a um esboço de uma transformação digital com potencial para alcançar resultados efetivos. O primeiro desafio seria estabelecer uma instância de coordenação nacional, com participação de representações de empresários, trabalhadores e acadêmicos como mecanismo de governança de um esforço nacional destinado a impulsionar a transição do Brasil para um novo patamar de capacidade digital.

O segundo vetor aponta para a infraestrutura de dados do país. De apagão a apagão, o Brasil caminha para uma escuridão que será tão longa quanto o tempo que se levar para trabalhar na direção oposta. "Big data" pressupõe disponibilidade de dados. O momento é de resistir ao apagamento da memória estatística nacional e de trabalhar em novas configurações de especificações destinadas a instrumentalizar um "building back better" em novas bases.

O terceiro é a mobilização nacional em torno da transformação digital. O país possui pelo menos três setores que podem ser a porta de entrada para este esforço: educação, saúde e transferências de renda. Em todos três o impacto da Covid-19 funcionou como um propulsor brutal da digitalização de rotinas, processos e da produtividade. A educação não apenas não será mais a mesma como também será potencializada de múltiplas maneiras, como se está observando pelo mundo todo. A telemedicina rompeu um dique de resistências e preconceitos que cimentou o corporativismo médico por décadas.

As possibilidades de inclusão financeira e redução da informalidade via programas de transferência condicionadas de renda por um sistema financeiro cada vez mais competitivo redefiniu os significados e os usos do dinheiro. As três iniciativas combinadas podem alinhar o país na direção de um salto que perpasse todos os setores da vida nacional. O alcance e a velocidade dependerão, naturalmente, da envergadura do esforço do país: atenção, recursos, priorização, etc. As consequências dessas mudanças terão um potencial profundamente transformador, concluem os autores do artigo.