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Búfalos de Brotas, que não são de ouro, ganham o apoio da sociedade

Búfalos de Brotas, que não são de ouro, ganham o apoio da sociedade

Não são de ouro, nem de plástico, tampouco frequentam Wall Street ou a bolsa de valores paulista. Mas as comparações com o "touro de ouro" estão sendo inevitáveis e chamam a atenção da sociedade, das autoridades policiais, de celebridades e moradores do interior e da capital de São Paulo. Neste caso, não se trata de uma cópia de gosto duvidoso, nem de algo que, acreditavam seus idealizadores, iria "revitalizar o centro da capital paulista". Aqui são os búfalos de Brotas, animais de carne e osso, que hoje estão mais para osso.

Encontrados no início de novembro em condições de extremo descuido e que agora recebem o auxílio de organizações não-governamentais, os animais começaram a receber os primeiros cuidados. Longe de ser um processo de revitalização, trata-se da restauração de uma grave injustiça, da recuperação de uma boiada que não tinha mais condições de se manter sozinha, só com pasto e água (que, aliás, faltavam), e que estava condenada à morte.



CRMV-SP

É uma verdadeira força-tarefa formada por veterinários, advogados ambientalistas, auxiliares de enfermagem veterinária e voluntários do Grupo de Resgate de Animais em Desastre (GRAD) e das ONGs "SOS O Bicho Vai Pegar" e "Amor e Respeito Animal (ARA). Peritos da Universidade de São Paulo (USP) também estiveram no local. Essa força se entrega há dias para salvar parte da boiada, o que parece não ser do interesse do proprietário da fazenda, conforme conversa estarrecedora que o programa Fantástico mostrou ontem à noite.

Luiz Augusto Pinheiro de Souza, dono da fazenda Água Sumida, em Brotas (SP), onde foram encontrados ao menos 1.056 búfalos e 72 cavalos e éguas em situação de abandono, negou veementemente as acusações de maus-tratos.
Na quarta-feira, o Fantástico tentou entrevistar o fazendeiro, que está sendo investigado. Veja o teor da conversa do repórter Maurício Ferraz com Luiz Augusto Pinheiro de Souza:

Repórter: Seu Luiz, se o senhor falar que grava comigo... o senhor não acha que deve dar satisfação do que está contecendo aqui?

Luiz: Neste modo não.

Repórter: Mas de que jeito o senhor quer dar?

Luiz: Eu estou sendo coagido. Tô sendo coagido e injustiçado desde o começo.

Repórter: Quando o senhor vê esses animais desse jeito, o senhor não fica...

Luiz: Qual "desse jeito"? Você não é veterinário para dizer que os meus animais estão "desse jeito".

Repórter: Mas o gado está morrendo.

Luiz: Que morrendo? Morre menos de 10% do gado. Você tá viajando.

Repórter: O senhor acha que é normal morrer de fome e sede?

Luiz: Que morrer de fome e sede! A fazenda existe há anos, nunca faltou água nem comida nessa fazenda gigante.

Repórter: E por que está morrendo (o gado)?

Luiz: Porque é gado velho, é gado que às vezes tá com algum probleminha, um detalhe ou outro. Não está morrendo todo o gado. Que história é essa que vocês publicam que estão morrendo mil vacas?

Repórter: Mas não é melhor vender do que deixar morrer?

Luiz: Meu amigo, eu não deixo morrer. Ele vai criando e morre naturalmente uma época do ano. Quando morrer, morreu.

Existe uma escala usada na medicina veterinária para determinar a condição nutricional de diferentes animais com base em uma avaliação visual. É o chamado "Escore da Condição Corporal". A escala vai de 1, para animais desnutridos, a 5, para animais obesos. No caso da Fazenda Água Sumida, um laudo feito pelos veterinários envolvidos no resgate apontou que todos os búfalos estão entre os índices 1 e 2.

A reportagem do Fantástico também mostrou que os búfalos tinham tanta fome que chegaram a arrancar cascas secas das árvores para tentar se alimentar.

A Polícia Civil e a Polícia Ambiental da PM-SP estão conduzindo as investigações na fazenda de Brotas, para identificar se houve tentativa de esconder as provas de maus tratos contra os animais. Agentes estão fazendo um mapeamento das valas usadas para enterrar os animais com a suspeita, forte, de que alguns búfalos foram sepultados ainda vivos.

O que a polícia também investiga é se houve falta de planejamento para o período de seca, e se o dono da fazenda diminuiu o espaço de pasto dos animais para priorizar o plantio de soja.

Luiz Augusto chegou a ser preso, mas pagou fiança e foi liberado. Desde então, disputa com as ONGs na Justiça a tutela dos animais e acumula multas que podem chegar a R$ 10 milhões. Após a tentativa do Fantástico de ouvir sua versão, o fazendeiro mandou o seguinte áudio para o prefeito de Brotas, Leandro Correa (DEM):

"Oi, Leandro. Boa tarde, tudo bem? É o Luiz Augusto. Você pode ter ódio de mim, e eu tenho motivo para ter ódio de você. Mas tem um segundo bem em jogo: a imagem de Brotas. Vai sair domingo no Fantástico. Você, como prefeito, pode tirar essa ONG daqui rapidinho. Tá destruindo a cidade."

O prefeito Leandro disse à TV Globo que se sentiu intimidado e ameaçado.

A ONG a que Luiz se refere é de veterinários voluntários, que montaram um hospital de campanha no local, que fica a 250 km de São Paulo. Há 20 dias, eles atendem as centenas de animais que foram encontrados desnutridos. Como a fazenda é dedicada a produção de leite, a maioria é fêmea. Algumas até ganharam nome.

Muitos animais foram recuperados pela equipe veterinária, enquanto outros não resistiram. Uma búfala batizada de "Carequinha" pelos voluntários tem entre 10 e 12 anos e, apesar de não estar 100% recuperada, já melhorou bastante desde que passou a receber cuidados. Ela continua ganhando peso e retribui o carinho que recebe. Virou a mascote do grupo.

Algum banco, fintech ou "influencer" se habilita a patrocinar a recuperação de "Carequinha" e sua trupe de carne e osso?