Nas entrelinhas: Governo ganhou, mas pode não levar os precatórios, por Luiz Carlos Azedo

Nas entrelinhas: Governo ganhou, mas pode não levar os precatórios, por Luiz Carlos Azedo

A PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade

O gesto do ex-ministro Ciro Gomes, ao comunicar ao PDT que sua pré-candidatura a presidente da República está suspensa, em razão do adesismo da sua bancada federal na votação da PEC dos Precatórios, teve um efeito saneador em toda a oposição, que votou muito dividida na madrugada de ontem, quando a proposta foi aprovada pela Câmara, em primeiro turno, por uma margem estreita de quatro votos. A votação desnudou as contradições existentes nas bancadas dos principais partidos de oposição, principalmente as relações perigosas com o esquema secreto de distribuição de emendas ao Orçamento comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Como sempre acontece nas votações polêmicas, a PEC dos Precatórios foi aprovada na calada da noite, 312 votos a 144. O texto-base da PEC dos Precatórios, a principal aposta do governo para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, esconde um butim de R$ 20 bilhões acima do teto de gastos, a serem distribuídos por Lira durante o ano eleitoral, diretamente para prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares que participam do seu esquema, sem controle efetivo dos órgãos fiscalizadores sobre a execução desses recursos em bases, digamos, republicanas.

É uma espécie de "mensalão" - o esquema de desvio de recursos públicos montado na Comissão de Orçamentos que foi investigado pela CPI dos Correios -, porém legalizado pelas regras estabelecidas no próprio Orçamento, que cria uma flagrante distorção no processo eleitoral, porque os "amigos do rei" passam a contar com um instrumento de barganha de apoio muito superior aos recursos de financiamento que advém do fundo eleitoral.

Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com Arthur Lira (PP-AL), que disse ao que veio na campanha para presidente da Câmara, com o líder do Centrão, o bloco de partidos que aderiu ao governo quando o "toma lá dá cá" passou a ser a regra do jogo da articulação da base parlamentar do presidente Jair Bolsonaro. Foi a vitória da "pequena política", do velho fisiologismo e da iminente recidiva do patrimonialismo. Quando o presidente da Casa era o deputado Rodrigo Maia (sem partido), a disputa entre a Câmara e o Palácio do Planalto se dava no âmbito da "grande política", que havia voltado ao Congresso. Agora, quando a "transa" predomina, a "grande política" foi para o ralo, porque não há mais quem a defenda com a força que a sociedade exige, nem a oposição, ainda mais enfraquecida pelo adesismo de parte de suas bancadas.

A equipe econômica de Paulo Guedes, o ministro da Economia que abriu mão da blindagem fiscal e do controle da inflação, deve até ter saudades dos embates com Rodrigo Maia. Derrotada pela ala política do Palácio do Planalto - os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações) -, a equipe econômica hoje é residual, porque seus principais quadros já se afastaram, com a exceção do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que tem mandato e autonomia.

A PEC abre um espaço no Orçamento de 2022 de R$ 91,6 bilhões, dos quais R$ 44,6 bilhões são decorrentes do limite a ser estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo federal (precatórios); e R$ 47 bilhões foram criados artificialmente, gerados mudança no fator de correção do teto de gastos, incluída na mesma PEC., que passou a ser calculado de janeiro a dezembro, em vez de junho a junho.

Reação negativa


O Auxílio Brasil, novo programa social do governo, deve tomar cerca de R$ 50 bilhões dessa folga orçamentária; também serão contemplados o ajuste dos benefícios vinculados ao salário-mínimo; a elevação de outras despesas obrigatórias (onde entram as emendas parlamentares ao orçamento); as despesas de vacinação contra a Covid-19; e as vinculações do teto aos demais poderes e subtetos. A divisão exata do espaço liberado pela proposta no teto de gastos só será definida na votação do Orçamento de 2022, o que abrirá outra rodada de barganhas.

O valor do Auxílio Brasil, estimado em R$ 400, também não foi definido na PEC e pode ser aumentado para até R$ 600, como deseja o PT, que votou contra a emenda. A rigor, o auxílio foi criado para substituir o Bolsa Família e está sendo utilizado como pretexto para "furar" o teto de gastos, porque o governo poderia perfeitamente encontrar os recursos para o auxílio cortando outras despesas, não-prioritárias, de um Orçamento de mais de R$ 1 trilhão.

Entretanto, por causa da reação da sociedade e da cúpula dos partidos de oposição, a PEC dos Precatórios subiu no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade. O sinal de que a vaca estranhou o bezerro foi a reação do mercado. Mesmo com a leilão do 5G, da maior importância, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou o dia em queda de 2,09%, aos 103.412 pontos, e o dólar terminou em alta de 0,29%, vendido a R$ 5,606.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-governo-ganhou-mas-pode-nao-levar-os-precatorios/