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A saúde no Brasil está em xeque, e não apenas por causa da Prevent Senior

A saúde no Brasil está em xeque, e não apenas por causa da Prevent Senior

Os holofotes todos voltados na imprensa e na CPI da Covid para o caso da Prevent Senior expõem falhas nessa operadora mas avançam para um cenário bem mais preocupante: a situação da saúde, dos planos privados e do Sistema Único de Saúde.

Na CPI, a Prevent Senior é acusada de omitir o coronavírus como causa de mortes em certidões de óbitos, ocultar a morte de um médico infectado pela doença e insistir na prescrição de um kit que nunca teve sua eficácia comprovada, entre outros pontos. O diretor-executivo da empresa, Pedro Benedito Batista Júnior, é alvo de investigação sobre um suposto acordo com o governo federal que envolve a participação em um gabinete paralelo de combate à pandemia.

Em meio às acusações, aconteceu o que já era esperado. Os próprios clientes da operadora saíram em sua defesa, com medo de perder o único plano que lhes trouxe, nos últimos anos, uma alternativa digna para escapar das filas do SUS, após serem expurgados dos planos das grandes seguradoras e bancos diante dos preços fora da realidade praticados por essas companhias.

Quatro mil usuários da Prevent Senior encamparam um abaixo-assinado, que certamente terá muito mais defensores entre os 505 mil clientes em 16 cidades de três regiões do País. Hoje, a empresa atende São Paulo capital, São Paulo interior (Santos, por exemplo) e Rio de Janeiro. Segundo a ANS, está entre as 10 maiores operadoras do País.

Seu modelo de negócio, inicialmente visto com desconfiança pelo mercado e pela classe médica, acabou conquistando defensores mesmo entre esses segmentos, pois mostrou-se inovador e lucrativo atendendo a categoria mais difícil, em termos de negócio, para as operadoras: os pacientes idosos.

Embora outras operadoras também contemplem esse segmento e tenham hospitais próprios, como Amil, Unimed e São Cristovão, o fato é que a Prevent Senior conseguiu equacionar o atendimento aos idosos com um sistema verticalizado não só com hospitais mas também consultas, exames e frota de ambulâncias, além de um eficiente sistema de tecnologia que possibilitou o atendimento on-line durante o pico da pandemia. Numa segunda etapa, abriu o leque e passou a receber também clientes de faixas etárias mais baixas, que igualmente encontravam dificuldades em se encaixar em outros planos privados.

Tudo isso, com lucro. Segundo reportagem do site UOL, em 2020, período de pico da pandemia, a Prevent Senior teve um faturamento de R$ 4,3 bilhões, alta de 17% em relação ao ano anterior, e de mais de 50% em comparação a 2018. O lucro líquido em 2020 foi de R$ 495 milhões, um ganho de quase 15% em relação a 2019.

Para comparar, a reportagem mostrou que a Hapvida, hoje a maior operadora de saúde do País, registrou uma receita de R$ 8,5 bilhões e lucrou R$ 785,3 milhões em 2020, com uma base de clientes bem maior com seus planos de atendimento médico e odontológico, de 6,7 milhões de pessoas.

Depois da Prevent Senior, mais dois planos de saúde que buscam consolidar uma fusão - Hapvida e Notre Dame Intermédica - também entraram na mira da Agencia Nacional de Saúde (ANS). A agência está apurando a conduta da Hapvida e do Grupo São Francisco, comprado pela operadora de capital aberto em 2019, por supostamente ter pressionado médicos para receitar hidroxicloroquina em casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. Para piorar, a Superintendência-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), apontou que o acordo para a fusão é "complexo".

O receio de sanções e até mesmo de uma descontinuidade dos planos oferecidos pela Prevent Senior tiram o sono de seus 505 mil usuários, mas o buraco desse drama é bem mais embaixo. Se tal contingente acabar nas portas do SUS amanhã, como o sistema dará conta de atender mais esse gargalo? Segundo o site BR2 Pontos, o fim do orçamento extraordinário criado pelo governo federal em razão da pandemia de Covid-19, previsto para dezembro deste ano, poderá levar a uma redução de cerca de R$ 25 bilhões da verba destinada à saúde pública no ano que vem.

São questões que devem ser levadas muito além da CPI da Covid, de investigações da ANS e do Ministério Público. Como alertaram os médicos e especialistas que participaram do debate "Crise sanitária, SUS e democracia", dentro do seminário "Um novo rumo para o Brasil", o caso da saúde no Brasil deve ser levado aos candidatos à presidência nas eleições de 2022, e de cada um deles, tirado um compromisso com a valorização da saúde e do SUS, o maior sistema de saúde universal do mundo.