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Globalização, Brasil e a Democracia em debate

Globalização, Brasil e a Democracia em debate

Perda de credibilidade e de inserção externa: "o Brasil está se isolando cada vez mais e a dificuldade de mudar a percepção que o estrangeiro tem do País é enorme" diz Rubens Barbosa. "Nós já fomos líderes do debate ambiental no mundo. Temos que recuperar essa capacidade... ou passaremos para o rol dos países que existem, mas não tem a menor importância", alerta Marcos Caramuru.

O encerramento do seminário "Um Novo Rumo para o Brasil" aconteceu ontem, segunda-feira, com o debate "Globalização, Brasil e Democracia", que reuniu um time de experientes embaixadores, participantes da diplomacia e da política exterior do País nos últimos 40 anos. O resultado foi uma verdadeira aula magna sobre temas que hoje, infelizmente, regrediram muito na pauta de prioridades do governo federal e do próprio Congresso Nacional. O que fazer então? Veja como o último dia de discussões promovidas pelos quatro partidos organizadores do evento - MDB, PSDB, DEM e Cidadania, e seus respectivos institutos e fundações.


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Moreira Franco, ex-ministro, ex-governador do Rio, coordenador geral do seminário - Nós tivemos ao longo desse período de debates manifestações muito sólidas orientando que nós temos que mudar. Temos que encontrar um rumo, em meio frear as ameaças à democracia. Eu creio que os quatro institutos e fundações, contribuíram para que nós pudéssemos oferecer tão brilhantes análises sobre o Brasil e sobre o rumo que nós devemos tomar. Temos um processo eleitoral pela frente, que pode levar às mudanças necessárias, discutidas nesses oito dias de discussões.

André Amado - embaixador, ex-diretor do Instituto Rio Branco, já ocupou postos no Japão, Bélgica, Luxemburgo e Peru - Desde a primeira conferência sobre o clima, em Estocolmo, 1972, alcançando depois a Rio-92, o Brasil fez de sua política externa uma plataforma para expandir os negócios do País. O que mudou nos últimos anos?

Rubens Barbosa - presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, foi embaixador em Londres e Washington - as transformações que estão ocorrendo no mundo, o papel do Brasil, o que acontecerá? Em termos de transformações internacionais, nós estamos vendo o que está acontecendo a partir da eleição de Trump, depois de Biden, a pandemia, e agora a retirada do Afeganistão. Temos uma nova geopolítica no mundo. Temos a China se consolidando como segunda maior força do planeta.

Qual é o lugar do Brasil? Está perdendo gradualmente espaço na sua projeção econômica, na sua inserção externa, perda de credibilidade, ausência de política externa. No caso da perda de projeção econômica, estamos caíndo da quinta ou sexta economia do mundo para 12°, 13° lugar. Perdendo espaço para a China em países que são tradicionais no comércio com o Brasil, caso da Argentina. O Brasil está se isolando, a dificuldade que temos para mudar a percepção que o estrangeiro tem do País é enorme. Para recuperar seu espaço no exterior, precisa focar na sua credibilidade, depois nós temos que rever e ampliar nossas parcerias. A política externa tem que ser dinâmica, não estática.

O que queremos em relação a China, aos EUA? Como nos devemos nos posicionar. (exemplo do caso da Huawei, que o governo federal queria afastar do processo do 5G no País). Formulação da política externa, acho que a partir de janeiro de 2023, a política tem que abrir mão de toda a influência ideológica, como houve no tempo do PT e agora. Um dos temas globais, para a formação de uma nova política externa, deveria ser a política ambiental. Hoje um problema global.

Regionalização - acordo entre os países liderados pela China. A única região que está desintegrada é a América do Sul. O Mercosul está passando por um problema muito sério. Todos os centros regionais tem um porta-voz. O México agora está ensaiando isso na AL, sem a mínima condição.

Meio-ambiente - a percepção internacional é que o Brasil não está combatendo o desmatamento. Isso é ruim para o agronegócio.

Geopolítica - Os Estados Unidos estão oferecendo uma parceria para o Brasil na OTAN. Mais para a frente, poderemos ter um problema sério com a China. O Congresso está complemente alheio a essas questões com a Ásia, sobre meio ambiente, e sobre os conflitos internacionais.

Willam Waack - Jornalista, âncora do canal CNN - Nós estamos diante de um desastre mundial. Não há saída, na atual consideração política. O ponto de partida será para quem assumir depois das eleições. Não há fórmula de recuperação. A nossa sociedade é anestesiada com relação ao que ocorre lá fora. Para a sociedade entender os problemas internacionais, nosso destino é claramente de uma potência de interesses regionais. O conflito entre os EUA e China é da maior relevância para nós, pois o Brasil negocia com os dois países. Nossa produtividade é baixa, nossa inovação é pouca. A gente não consegue sair desse estágio. O único fator sobre o qual nós temos controle é o político. A capacidade que nossas personalidades têm para pensar o País. Nós estamos entregues ao reacionarismo mais rastaquera. O que cabe às forças políticas, é estabelecer articulações. Não importa qual seja a tendência, o partido. Falta a ambição de articular às elites culturais, às elites empresariais, políticas. Um projeto de país. A partir dele, a gente sai dessa situação.

Assim como está, não dá. Não há recuperação da imagem do Brasil lá fora sob a presente circunstância. Me parece que nós temos pontos claros de partida. Sempre me impressionou o que aconteceu na Espanha, com a Concertación.

Marcos Caramuru - Conselheiro do Cebri, foi cônsul-geral do Brasil em Xangai e embaixador na Malásia e em Pequim - Eu vou vestir a minha camisa de diplomata. Para dizer o que o Brasil deve fazer nos próximos cinco, 10 anos. Quatro grandes temas. O primeiro, a construção da economia do baixo carbono, que vai mudar as matrizes energéticas, mudar os hábitos de consumo, mudar as tecnologias, enfim, haverá uma transformação muito grande.

Segundo tema, a incorporação de novas tecnologias, internet das coisas, blockchain, IA, muitas das empresas que incorporaram essas tecnologias ainda não mostraram os resultados dos investimentos. Terceiro, a relação dos países ricos e pobres. Cooperação para o desenvolvimento. O quarto tema, que será central na próxima década, com a ascensão da Ásia, em especial a China. Representa um grande desafio de como encarar a realidade internacional.

Como se coloca o Brasil nesse ponto? As possibilidades de entrar na economia do baixo carbono são possíveis, se soubermos fazer a coisa certa. Nós já fomos líderes do debate ambiental. Temos que recuperar essa capacidade. Quanto às tecnologias, temos a agricultura, o varejo, o sistema financeiro. Nós teremos condições de ocupar um espaço se soubemos utilizar essa vantagem. Uma possibilidade de reindustrialização. Nós já temos um bom volume de exportação para a Ásia. Precisamos ter políticas internas, segundo nossa capacidade de estar bem com os vizinhos. Nós perdemos isso muito recentemente. Nossa relação com os EUA e Europa será difícil. Em relação a China. ESG, participação nesse novo modelo junto ao segmento empresarial. Cuidar da imagem do País. Nisso, os estados avançaram muito na política externa, isso é bom mas quem deve fazer é a instância federal. Caso contrário, passaremos para o rol dos países que existem, mas não tem a menor importância.

Aloysio Nunes Ferreira - ex-ministro da Justiça - O que fazer? O embaixador Rubens Barbosa perguntou, o que fazer? Temos aqui diplomatas de escol, que atenderam diferentes governos. O Itamaraty é um formidável instrumento de trabalho de execução da política externa. Havia um fundo comum de racionalidade. Eu fui presidente da Comissão de Relações Exteriores, falava com ministros da Dilma e do Lula. Questão dos direitos humanos, dos imigrantes, do meio ambiente. Tivemos duas enormes conferências ambientais, uma no governo Collor, outra no governo Dilma. Temos agora que deixar de lado algumas diferenças, e trabalhar juntos em temas como a desigualdade pós-pandemia. Buscar uma convergência entre alguns que estão aqui, e outros que não estão. Depois, no segundo turno, nos unirmos em torno de um caminho.

Renata Bueno - advogada, foi deputada no Parlamento Italiano e vereadora em Curitiba pelo PPS, hoje Cidadania - Parece um tema tão distante do dia a dia, mas a política diplomática é que defende a imagem do Brasil. Fui deputada na Itália, acabei vindo fazer política na Europa. Nas minhas participações, sempre fiz a defesa do País. Nos últimos anos, isso só tem piorado. A imagem virou ao contrário. O Brasil virou de costas para o mundo. Os parlamentares italianos perguntam o porque dessa decadência do Brasil. O Mercosul, o Brasil precisa exercer esse protagonismo na América do Sul.

Paulo Gouvea - ex-deputado federal DEM-SC - Vivemos numa aldeia global, em que hoje ocorre a disseminação de dados errados, das fake news. É preciso tratar com urgência disso, controlar essa disseminação, que cria uma incredulidade e permite ao presidente direcionar suas baterias para STF, Congresso, China. Existem aqueles eleitores que acreditam em tudo que ele fala; em segundo, aqueles que foram traídos pelo seu discurso; e em terceiro, os que aceitavam qualquer um que não fosse do PT. O ponto nevrálgico de uma eleição é a economia. Mas o presidente não pensa assim. Um grande acordo para solucionar isso é o que o Brasil espera, essa é hoje a missão de nossos partidos.