Imagem: Reprodução
Crise sanitária, SUS e democracia em debate

Crise sanitária, SUS e democracia em debate

Os médicos foram taxativos em defender uma articulação das redes pública e privada, aproveitando a expertise de cada uma, para melhorar o funcionamento do SUS. "Temos que colocar a questão da saúde na pauta dos candidatos à presidência, propôs o ex-ministro Mandetta.


Clique aqui para assistir na íntegra


Uma nova rodada de debate foi realizada ontem à noite, dentro do seminário "Um Rumo para o Brasil", com a coordenação geral do ex-ministro e ex-governador do Rio, Moreira Franco, e tendo como coordenador pontual o economista Marcus Pestana - ex-deputado federal PSDB-MG, que foi secretário de Estado de Saúde em Minas Gerais. Ele conversou com um grupo de médicos e especialistas da área de saúde. A seguir, os principais pontos da conversa:

Luiz Antonio Santini - médico-cirurgião, ex-diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer - Com quase 40 anos de formado, 30 e poucos de SUS, fez um histórico da criação do Sistema Único de Saúde, um programa criado de forma democrática, com muita luta dos médicos. Antes do SUS, o que a gente tinha era a população atendida pela Previdência, pelas Santas Casas, a grande massa era desassistida. A crise da Previdência nos anos 70 propiciou um "movimento sanitário", com o MDB e o Partidão, em busca de um novo modelo. Experiências municipais, junto ao Ministério da Saúde, viriam a resultar no SUS em 1986, com a 8° Conferência Nacional de Saúde. O SUS é uma concepção de saúde. Uma conquista da sociedade brasileira. O maior sistema de saúde universal do mundo. Promove a aplicação de 19 tipos de vacina, para prevenção de 21 tipos de vacina. Tem o programa da Aids, o programa anti-tabagismo. Desde o começo, tem problemas políticos, de orçamento, de infraestrutura. Nós temos um sistema de relação entre saúde e privada para ser resolvida. A questão do financiamento, temos que aumentar a eficiência investindo no sistema, com a incorporação tecnológica. A crise sanitária é gerada por essa limitação de recursos. Se não fosse o modelo de gestão tripartite, o Brasil estaria liquidado. Estamos diante de um quadro que não é estático, das pandemias, da guerra biólogica, da "Covid longa" (o impacto que a pandemia está causando no sistema de saúde, com 70% das mamografias canceladas em todo o Brasil, 20 a 30% das cirurgias eletivas). É preciso ter muita articulação para mudar esse quadro (citou o ex-presidente FHC, que consultava o ex-senador e governador do Pará, Almir Gabriel para políticas de saúde, como exemplo dessa articulação)

André Médici - economista com trabalhos desenvolvidos na área de saúde para o Banco Mundial e BID - Participei do início da construção do Sistema Único de Saúde, montamos a proposta de financiamento. É a maior política, a mais inclusiva do Brasil. 79% da população brasileira é coberta pelo SUS. Na fase inicial, a partir de 1988, foi muito difícil a implantação. Tinhamos a hiperinflação. Com o Plano Real, possibilitou implementar os orçamentos. Mas nós ainda temos 21% de pessoas fora do sistema. A pandemia trouxe no início uma certa desorganização. O (ex-ministro) Mandetta tentou estruturar isso, mas não ficou muito. Como é que a gente vai repor as perdas? Aquilo que ficou desassistido, as cirurgias eletivas. Um modelo de integração, das Unimeds, com o modelo das empresas de autogestão (integração saúde pública-privada). Nós já estamos trabalhando para ver como é possível fazer isso em alguns municípios.

Januário Montone - ex-secretário municipal de saúde da prefeitura de São Paulo, foi o primeiro presidente da Agência Nacional de Saúde (ANS) - lembro da construção do SUS, que não é produto de laboratório, de uma prancheta, mas produto do processo de redemocratização, que mobilizou a área da saúde. Problemas da vacinação, que aumentaram na perda de controle, agudizaram com a saída do (ex-ministro) Mandetta do ministério. O setor privado foge da discussão do SUS. E temos também um dos maiores sistemas complementares do mundo. A pandemia talvez tenha aberto alguns canais para a gente aprender, ficou claro como público e privado são interdependentes. Ao mesmo tempo, a expansão da estrutura, nós tivemos que mais do que dobrar a capacidade dos hospitais, com apoio do sistema privado. Nós estamos nesse momento numa espécie de terceira onda: instalação do SUS, regulação do SUS, começar agora a discutir a função de alguns deles. Verticalização dos planos de saúde é uma questão de sobrevivência. Temos que discutir um modelo ganha-ganha. Rever as condições geopolíticas da gestão. Territorializamos o modelo em São Paulo, com as organizações sociais. Cito também as startups de saúde, que estão procurando novos modelos para o setor privado.

Carmem Zanotto - deputada federal (Cidadania-SC) - enfermeira, presidente da Frente Parlamentar da Saúde - Quero destacar a forma como o SUS consegue se reinventar na saúde. O SUS só se fortaleceu. Se não fossem as nossas salas de vacina em todos os municípios do Brasil, não sei como seria. Quero homenagear o nosso querido Sérgio Arouca (foi médico sanitarista e presidiu a Fiocruz). Quero também propor um desafio aos debatedores: como dar conta, a partir da crise sanitária, da fila de exames, especial de câncer, como gerir com esse orçamento?

Luiz Henrique Mandetta - médico, ex-deputado federal (DEM-MS), ex-ministro da Saúde - estudei no Rio com o Sérgio Arouca, fizemos campanha para ele na estudantina. O SUS tem uma atendimento primário muito maior do que o sistema privado. Como levar a atenção primária para o sistema privado, e como trazer o atendimento de alta complexidade do sistema privado para o SUS? Tivemos uma intervenção militar estupida no sistema. Distrito sanitário: como convencer os governadores, o Congresso, para instalar cerca de 200 distritos em todo o País? Não sei se terá essa candidatura que o Marcus Pestana fala (a dele próprio para presidência), mas nós temos que colocar a questão da saúde na pauta dos candidatos, para que a gente possa cobrar. Fortalecer a tripartite. O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) também pensou no tripartite, o Sistema Previdenciário idem, todos pensando nos moldes da governança SUS. Temos que retomar a "alma estudantina da juventude, das universidades", para fazer essas mudanças! O governo quebrou o pacto federativo, militarizou o SUS e culpou governadores e prefeitos.

Renilson Rehem de Souza - médico sanitarista, presidente do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais da Saúde (Ibross) - a preocupação final proposta pelo Mandetta, de colocar a saúde como questão nacional, tem de ser levada adiante. O SUS precisa de defesa. Uma defesa política. Destacar a importância do sistema antes e agora, na pandemia. Defender um financiamento, um pacto federativo. A gente precisa rever essa pacto. Reafirmar a importância do Ministério da Saúde na gestão tripartite do SUS. O papel do município, e do novo distrito sanitário. Um movimento político que envolva todas as campanhas sobre a questão do SUS para o enfrentamento do pós-pandemia e das futuras guerras biológicas.