Monte dei Paschi di Siena | Imagem: Wikipedia - Nikolai Karaneschev - https://creativecommons.org/licenses/by/3.0/deed.pt
Monte dei Paschi di Siena, banco mais antigo do mundo, chega ao fim de um ciclo

Monte dei Paschi di Siena, banco mais antigo do mundo, chega ao fim de um ciclo

Imagine um banco fundado em 1472, exatos 20 anos antes do Descobrimento da América, e 28 anos antes do Descobrimento do Brasil. Pois existe, e ainda é ativo. É o Monte dei Paschi, instituição financeira mais antiga do mundo, com origens em Siena, região da Toscana, na Itália.

O Monte dei Paschi foi destaque esta semana no The New York Times. Premido pela recente e nada honrosa classificação de credor mais fraco da Europa, em análise feita por agências reguladoras, a instituição, que é um símbolo da cidade de Siena, terá que fechar ou então entregar as chaves para o arquirrival UniCredit, um dos maiores bancos italianos, que anunciou estar disposto a comprar o concorrente desde que o governo fique com a parte podre dos créditos.

Se a negociação se concretizar, a velha marca continuará ativa. Mas não será mais uma entidade autônoma, e sim administrada pela sede do UniCredit em Milão, e não de seu histórico escritório em forma de um grande castelo no centro de Siena. O título de banco mais antigo do planeta passará então para o alemão Berenberg Bank, fundado em Hamburgo, em 1590.

O Monte dei Paschi é hoje, na verdade, propriedade do governo italiano, que o estatizou para evitar a quebra. Devolve-lo agora para a iniciativa privada seria como que repassar um fardo, tirando-o das mãos do primeiro-ministro Mario Draghi, que já foi presidente do Banco Central e que agora deseja acabar com a imagem da Itália como sendo um país atrasado em termos de gestão financeira na comunidade do euro.

Salvar o Monte dei Paschi foi uma "questão de honra" para o governo italiano. Agora, porém, o banco está literalmente entregue ao mercado. Mesmo que mantenha a marca ativa por algum tempo, o agora "novo" banco do UniCredit não será mais o mesmo que antes. Como maior empregador da cidade de Siena, a instituição gera mais de cinco mil empregos lá e também em outras comunas italianas. Postos de trabalho, todos já sabem, ameaçados pela intervenção privada.


Além disso, no tempo em que estava no seu apogeu, o Monte dei Paschi contribuía para atividades cívicas como manter jardins de infância, serviços de ambulância e até mesmo os trajes que os clãs rivais usavam nas procissões que antecedem ao Palio - a tradicional corrida de cavalos disputada durante o verão na praça central de Siena.

Com uma trajetória tão longa e feita de sucesso em sua maior parte, é natural que o Monte dei Paschi tenha enfrentado momentos ruins. Mas o pior deles, em séculos de existência, começou recentemente. Em 2008, o banco pagou mais do que poderia para adquirir um rival que pertencia ao espanhol Santander, e que o transformaria no terceiro maior banco italiano, depois do Intesa Sanpaolo e do UniCredit. 

Passados cinco anos, enquanto a polícia investigava denúncias de que executivos do banco escondiam perdas crescentes dos acionistas, David Rossi, diretor de comunicações do Monte dei Paschi, foi encontrado morto perto de seu escritório, no que, aparentemente, foi um suicídio. Familiares de Rossi denunciaram que ele fora morto por saber demais, mas a polícia nunca encontrou evidências de um homicídio.


Palio de Siena, a corrida de cavalos disputada no verão

Em 2019, mais de 10 executivos do Monte dei Paschi, Deutsche Bank e Nomura foram condenados por usar ilegalmente derivativos para encobrir os rombos do banco. Eles apelaram da decisão, mas o estrago para a imagem do banco ficou. Escândalos como os de 2008 e 2019, envolvendo trapaças e até uma morte suspeita, remetem o caso do Monte dei Paschi a outros episódios que também estamparam as páginas policiais dos jornais europeus.

Primeiro, o Instituto para as Obras de Religião (IOR), conhecido como o Banco do Vaticano. Fundado em 1942 e com sede na cidade do Vaticano, em Roma, o banco foi criado durante a Segunda Guerra Mundial pelo Papa Pio XII para administrar as contas da Igreja e também de seus principais cardeais.

O banco existe até os dias de hoje, mas administra apenas uma pequena parcela de US$ 6 bilhões, equivalente a 2% do total de investimentos e receitas do conglomerado católico, estimado em US$ 170 bilhões, e cuja administração está distribuída entre algumas das maiores instituições financeiras do mundo. 

Um motivo para que cuide apenas de uma pequena parte desses investimentos é seu histórico: em 1980, o IOR foi parar nas manchetes dos jornais porque o Banco Ambrosiano, do qual era a maior acionista, acusou uma dívida altíssima de cerca de US$ 3,5 bilhões. O então presidente do Ambrosiano, o arcebispo Paul Marcinkus, foi acusado e levado à indiciamento, mas sua condição de autoridade do Vaticano fez com que os tribunais italianos recuassem.

Entre 2009 e 2010, o Banco do Vaticano continuou a ser investigado por acusações de lavagem de dinheiro, o que levou o Papa Bento XVI a instituir, no fim de 2010, a Autoridade de Informação Financeira (AIF), uma espécie de órgão regulador para inspecionar qualquer movimentação de capitais executada pelo banco. Em janeiro de 2014, o Papa Francisco fez novas reformas ao substituir quatro dos cinco membros da comissão cardinalícia de vigilância do IOR - uma espécie de conselho de administração do banco.

O caso inicial do IOR envolvendo o Banco Ambrosiano, de 1980, inspirou o último episódio da trilogia O Poderoso Chefão III, de 1990, onde a instituição é o centro de uma disputa de poder e controle acionário em que o capo da máfia, Don Michael Corleone (Al Pacino), filho de Don Vito Andolini Corleone (Marlon Brando), tenta assumir a direção sob pretexto de que pretende doravante se dedicar ao patrocínio de obras humanitárias da Igreja Católica.

Com base nesse histórico secular, qualquer que seja a solução final para o drama do Monte dei Paschi, ainda haverá muitos capítulos para o que parece ser uma autêntica novela. A potencial venda do banco para o UniCredit tornou-se tema das eleições municipais e parlamentares de outubro na Itália. Um caso que pode jogar a favor da Liga, partido populista de direita que apoia o atual prefeito de Siena, Luigi De Mossi.

De Mossi afirmou recentemente aos jornais que o banco "não era um supermercado", onde o UniCredit pudesse escolher apenas os ativos que quisesse e deixasse o resto para o governo. O futuro do banco, disse ele, é uma "questão social e política que diz respeito não apenas a Siena, não apenas à Itália, mas à Europa".