Nas entrelinhas: Doria ao mar, por Luiz Carlos Azedo

Nas entrelinhas: Doria ao mar, por Luiz Carlos Azedo

O maior problema de Doria é o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que o lançou na política como candidato a prefeito de São Paulo, em 2016, e agora é seu desafeto

A cúpula do PSDB quer jogar o governador de São Paulo, João Doria, ao mar. Essa é a tradução da entrevista do presidente da legenda, Bruno Araujo (PE), na qual manifestou a disposição de a legenda abrir mão da cabeça de chapa para construir uma candidatura de centro mais robusta e capaz de chegar ao segundo turno: "Como é tradição desde sua fundação, o PSDB trabalha sempre para ter nomes à disposição para servir ao país como candidato à Presidência da República. Com as prévias, ofereceremos um nome absolutamente capaz de liderar o Brasil. Mas, para isso, também devemos estar abertos ao diálogo. Só pode receber apoios quem está disposto a apoiar", disse.

A declaração pôs mais lenha na fogueira do confronto entre o governador paulista e o deputado Aécio Neves (MG), principal articulador da proposta de que a legenda não deva ter candidato a presidente da República, para gastar suas energias e os recursos financeiros com a eleição de deputados federais. O ex-governador mineiro, que disputou as eleições presidenciais de 2014, sendo derrotado no segundo turno por Dilma Rousseff, continua sendo um político influente na Câmara e no Senado, onde também exerceu mandato. Doria acusou o golpe, ainda mais porque Aécio havia dito numa entrevista na CNN que não o considera o melhor nome para disputar a Presidência em 2022. Segundo o parlamentar mineiro, o governador tucano "perdeu as condições de reeleição em São Paulo".

Doria reagiu com virulência às declarações do parlamentar mineiro: "Aécio não gosta de eleição, gosta de conchavão, que foi o que ele fez com o governo Bolsonaro. Aécio não quer nenhum nome do PSDB como candidato à Presidência, ele quer é que o fundo eleitoral fique à disposição dele mesmo. Nanico é o pensamento de Aécio Neves. Nanico foi o que ele fez, após a derrota dele, ao pedir propina a um grande empresário brasileiro e está sofrendo agora oito processos. Tenho pena e lamento que ele ainda frequente o PSDB. Deveria ter pedido para sair."

Isolamento

Aécio não está sozinho. Conta com aliados leais na bancada da Câmara e acordos tácitos com outros pretendentes à vaga de candidato a presidente da República do PSDB, nas prévias da legenda marcadas para novembro. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é o principal adversário de Doria. Nas avaliações de bastidor, hoje, seria o mais votado. Também disputam as prévias o senador Tasso Jereissati, ex-governador do Ceará, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Netto. Mas o maior problema de Doria é o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que o lançou na política como candidato a prefeito de São Paulo, em 2016.

Nas eleições de 2018, Doria se insurgiu contra o acordo de Alckmin com seu vice, Márcio França (PSB), que assumiu o governo paulista, concorreu à reeleição e perdeu. Doria compartilhou eleitores no segundo turno com o presidente Jair Bolsonaro, para conquistar o Palácio dos Bandeirantes. Agora, transferiu seu vice Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, o que o agastou com os democratas, para que assumisse o governo e concorresse à reeleição, em vez de apoiar Alckmin. É um caso típico de conflito entre criador e criatura.

Acontece que a pandemia de covid-19 quase engoliu o mandato de Doria completamente. Sem dúvida, foi o governante que mais bem se preparou para enfrentá-la, graças aos investimentos do Instituto Butantan na produção da vacina chinesa CoronaVac, mas as coisas não saíram exatamente como planejava. Bolsonaro demitiu o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que fazia parceria com Doria, e abriu uma guerra contra as vacinas, em confrontos quase diários com o governador paulista. O desgaste foi recíproco, apesar do negativismo de Bolsonaro. Doria é o grande responsável por 50% das vacinas aplicadas no Brasil, mas São Paulo sempre foi o epicentro da pandemia, e isso retardou a imunização completa dos paulistas.

Agora, Doria enfrenta uma situação delicada: Alckmin lidera com folga a disputa pelo governo paulista, em aliança com França, seu antigo vice. O ex-governador não quer correr o risco de perder as prévias do PSDB paulista e negocia sua transferência para o PSD, do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab. Além disso, perdeu seu principal aliado, o falecido prefeito de São Paulo Bruno Covas. Ao mesmo tempo, Doria trava uma guerra em duas frentes: as pesquisas mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o favorito nos grandes centros paulistas, enquanto Bolsonaro mantém seus redutos nas pequenas e médias cidades paulistas. O governador tucano foi ensanduichado.

Quem acompanha a agenda de Doria verifica que sua prioridade é intensificar a vacinação em São Paulo e fazer entregas administrativas. Continua apostando no marketing dos imunizantes no plano nacional, mas trocou os bate-bocas diários com Bolsonaro pelos anúncios de criação de frentes de trabalho, reformas de estradas, entrega de creches, implantação do ensino integral, programas sociais para a população de baixa renda etc. Quem o conhece diz que não vai desistir facilmente da candidatura à Presidência. Como sempre largou em desvantagem nas pesquisas, acredita pode virar o jogo na campanha eleitoral, mais uma vez.

Correio Braziliense
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