"Ninguém Sabe Que Estou Aqui"- "Nadie Sabe Que Estoy Aqui", Chile, 2020, Netflix Direção: Gaspar Antillo |
“Nadie Sabe Que Estoy Aqui“, por Eleonora Rosset

“Nadie Sabe Que Estoy Aqui“, por Eleonora Rosset

Quem será esse homem corpulento, de barba por fazer, cabelo desgrenhado e um olhar distante?

Vemos que está num barco, numa perfeita imagem de solidão, um grande mar e um homem num barco que parecem tão pequenos do alto de onde os vemos.

Chega na ilha que tem a casa do tio, onde mora também e cuida das ovelhas. Trabalha as peles num curtume caseiro. Fala pouco.

Quando chegam os mantimentos, um livro inesperado sai de uma sacola, "Meu Caminho". Na capa a foto de um homem.

"- Por que pediu esse livro? Nós temos nossa vida e ele a dele", diz irritado o senhor mais velho.

Memo, o grandalhão, parece que tem um problema não resolvido em sua vida de quase ermitão.

Um dia, ao invés do costumeiro entregador de mantimentos, vem em seu lugar sua sobrinha. É Marta, pequena e simpática.

"- Não fique vermelho, ela já te viu", brinca o tio.

É certo que a moça mexeu com as memórias de Memo. Imagens de um programa de rádio, o pai dele, a "venda" de sua voz, o menino de olhos azuis, tudo volta embaralhado em sua mente.

O tio tem que ficar um tempo no hospital por causa de um acidente e Memo volta a viver sozinho naquela casa escura.

A solidão, o contato com a natureza, as folhas murmurando na floresta, a cachoeira e sua voz potente, levam Memo a se ver com uma capa brilhante cantando "Nobody Knows I'm Here" (Ninguém Sabe que Estou Aqui).

A escuridão da casa onde Memo vive ajuda a repressão.

Mas há algo, há muito tempo afogado, soterrado, que pede para vir à tona. A violência e a raiva acompanham agora aquele que era tão pacífico quanto suas ovelhas, suas únicas companhias.

O filme dirigido por Gaspar Antillo tem imagens soberbas da natureza do sul do Chile, que são usadas para mostrar o caminho de isolamento, procurado por alguém que quer esquecer. Ele não quer lembrar-se do que precisa desabafar, vomitar, algo que o tortura.

O ator Jorge Garcia e a atriz Millaray Lobos são os responsáveis por cenas onde ela consegue chegar perto dele, um bicho indomável.

Não é um filme de ação mas também não é somente contemplativo. Há uma bela substituição de imagens escuras e uma busca de luz, como cura para o menino traumatizado que precisa de ajuda.

É um filme sensível, sofisticado e que nos envolve no desdobramento daquela trágica vida calada que esconde uma voz forte e bela. Dom e talento que podem florescer livremente.

Finalmente.

(O trailer está no meu blog www.eleonorarosset.com.br )