Jorge Carrara em visita à Quinta do Mosteiro, em Portugal | Imagem: FTP Vinhos no Facebook
Curioso e modesto, foi o melhor crítico de vinhos do país

Curioso e modesto, foi o melhor crítico de vinhos do país

Argentino escreveu para a Folha e outros veículos especializados

Josimar Melo

O crítico de vinhos Jorge Carrara (1947-2021), morto na terça-feira (25), era um argentino com interessantes vicissitudes. Fugia de estereótipos. Adorava São Paulo, falava um português corretíssimo, quase sem sotaque, e não tinha o menor nacionalismo em relação aos vinhos argentinos.

Enquanto viveu em Buenos Aires, sua cidade natal, só conhecia os vinhos do país, o que ali é natural. Mas mudou ao morar no Brasil -onde, claro, não havia chauvinismo vinícola, aberto aos sabores de todo o mundo, mesmo numa época de precárias importações.

Carrara trabalhava na IBM, quando, desgostoso com a situação do seu país na época, pediu transferência para São Paulo em 1976.

Os trâmites levaram a outro marco em sua vida: voltando para a Argentina de uma viagem em que preparava sua vinda, conheceu no avião uma turista brasileira, Silavia Bergman, com quem iniciou uma relação amorosa que duraria até o fim da vida.

Carrara deixou a faculdade de engenharia quando estava na IBM da Argentina. No Brasil, aposentou-se na empresa depois de trabalhar com hardware e depois com software.

Quando chegou aqui descobriu uma entidade de enófilos -a Sociedade Brasileira de Amigos do Vinho- à qual se filiou, em 1984, para ampliar seus conhecimentos. Foi onde depois o conheci -eu principiante assistindo aulas, ele já professor.

Quando a Folha lançou o pioneiro caderno Comida, eu o convidei como colunista de vinhos. Por décadas, mesmo quando as páginas de gastronomia mudavam de tamanho ou de lugar, Carrara se adaptava sem sobressaltos a cada novo formato da coluna.

Chegou a ter uma adega com três mil garrafas de vinho, uma extravagância que há cerca de 20 anos leiloou revertendo o dinheiro para filantropia.

Atualmente escrevia para a revista Prazeres da Mesa, até o diagnóstico de câncer na garganta que o levou ao hospital em março, para tratamentos que não lograram efeito.

Jorge Carrara tornou-se o mais preciso, curioso, arguto -e modesto- crítico de vinhos do país. Sem arrogância ou preconceito, era aberto a todo bom vinho independente da origem ou preço. Era também inteligente e ótimo de conversa -mesmo aquelas que, vizinhos, encetávamos em encontros fortuitos no supermercado.

Jorge (acho que eu era dos poucos a chamá-lo assim) partiu aos 73 anos e deixa Silavia, sua mulher, e a nós, órfãos de sua inteligência e sábio humor.

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/comida/2021/05/curioso-e-modesto-foi-o-melhor-critico-de-vinhos-do-pais.shtml