Anotação com palavras atualmente em moda | Imagem: Heloisa Seixas
A novilíngua do Brasil, por Ruy Castro

A novilíngua do Brasil, por Ruy Castro

Ruy Castro


Palavras ainda perfeitamente válidas estão sendo canceladas e substituídas por outras em pedantês

Ainda veremos o dia em que o futebol brasileiro será disputado por jogadores de paletó e colete. É só observar o colarinho duro com que os profissionais do meio -narradores, treinadores e os próprios craques- passaram a se referir a coisas no fundo muito simples.

Jogador ou time, ninguém mais joga bem -"faz bom jogo". Alguém que desarma um adversário e parte para o ataque é porque "teve uma leitura adequada" do lance. Times ofensivos agora são "propositivos". Já os que se fecham e jogam no contra-ataque são "reativos". E, outro dia, um comentarista disse na TV que tal sistema de jogo "demandava percepção cognitiva" -e ninguém na mesa riu.

Estamos diante de uma nova cepa (epa!) do pedantês arcaico, o titês, criado pelo treinador Tite, da seleção. Nele, os antigos e velozes pontinhas dribladores tornaram-se os "extremos desequilibrantes". O vulgar "dar conta do recado" foi promovido a "performar". E os estudiosos conseguiram traduzir um tijolo em que se lia "sinapse no último terço", mas não sabem o que significa. Os infelizes comandados pelo citado Tite também não.

O futebol, na verdade, apenas reflete uma novilíngua geral no Brasil, em que palavras ainda perfeitamente válidas estão sendo canceladas e substituídas por outras aprendidas de ouvido na internet. A velha e confiável "eficiência", por exemplo, deu lugar a "efetividade". Ninguém mais é "forte" ou "resistente", mas "resiliente". O lindo e sensual "atraente" foi chutado do léxico pelo "atrativo". E "audiência" deixou de ser aquilo que se media para saber quem estava na escuta, tragada pelo inglês "audience", que significa "plateia".

Quando se faz algo exato, delicado, no detalhe, diz-se que foi "cirúrgico" -como se uma cirurgia, qualquer uma, não fosse um banho de sangue. E nunca se usou tanto a palavra "empatia". Logo hoje, em que ela está mais em falta do que nunca.

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/05/a-novilingua-do-brasil.shtml