Luiz Carlos Trabuco Cappi | Imagem: Divulgação
Arrancada rápida

Arrancada rápida

Alta maior da Selic evita que uma inflação transitória se transforme em inercial

Luiz Carlos Trabuco Cappi, O Estado de S.Paulo

O Banco Central surpreendeu o mercado com uma largada acelerada na elevação dos juros. Aumentou a taxa básica em 0,75 ponto porcentual, acima das projeções dos analistas, e anunciou outro aumento de igual magnitude na próxima reunião, em maio. Foi uma decisão difícil, porém acertada.



Ata da última reunião do Copom aponta para mais uma alta dos juros em maio
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Conhecida como Selic, a taxa básica serve para balizar o custo do dinheiro nas transações realizadas na sociedade. No sistema financeiro, é a taxa de juros de um dia que determina a inclinação da curva de juros para frente. Quando está muito baixa, pressiona a parte mais longa da curva para cima; se está alta demais, a curva de juros se achata, podendo inclusive ficar negativa em alguns casos.

Os juros altos têm inconveniências, entre elas tornar a rolagem da dívida pública mais cara e aumentar o custo do crédito. Como a atividade econômica está anêmica e o desemprego elevado, eis a dúvida: o efeito do juro mais alto não agravaria o quadro?

Essa decisão, porém, seguiu a prescrição técnica. A desvalorização cambial e o aumento das cotações das commodities tiveram impacto nos preços internos de forma transitória, mas influenciaram nas expectativas de inflação para este ano e o próximo. A elevação dos juros deve arrefecer essa pressão nos preços e a volatilidade da taxa de câmbio.

O nosso alento é o cenário externo positivo. Apesar das incertezas, as indicações são de um início de crescimento vigoroso no exterior. O Banco Mundial projeta 4%; todavia, pode ser maior. Um destaque é o pacote de estímulos fiscais aprovado nos Estados Unidos, que deve impulsionar a economia americana e a mundial.

Isso ajuda num momento de incertezas no cenário interno. Na margem, os números são positivos. Em janeiro, o IBC-Br, que é a estimativa do PIB mensal feita pelo Banco Central, mostrou uma alta acima das expectativas do mercado e a abertura de vagas de trabalho apresentou recuperação forte. As incertezas são a evolução da pandemia no País, o ritmo de vacinação e a dinâmica fiscal.

A questão central dos juros é a calibragem. Mesmo com as duas altas de março e maio (prevista), a taxa de juros real continuará negativa. Há vantagens a considerar numa alta maior que a esperada pelo mercado. A primeira é que afasta com mais segurança a alta de preços temporária e evita que uma inflação considerada transitória se transforme numa inflação inercial, mais difícil de erradicar e com consequências duradouras.

Outro benefício é que uma alta mais forte encurta o ciclo de ajustes. Um processo de elevação demorado tem o custo de juros altos por mais tempo e pode até ter uma taxa máxima maior do que a de uma política mais contundente. Dessa forma, o custo social do ajuste monetário é mais curto.

Considerando prós e contras, melhor não correr riscos.

O papel do Banco Central é calibrar a taxa para cumprir a meta de inflação. Analisa indicadores econômicos, pondera os riscos e as incertezas. O espaço de manobra do BC é estreito e depende de inúmeras variáveis fora de seu controle, como a pandemia, o estado da economia internacional, o andamento das reformas e o ajuste fiscal.

A evolução da dívida pública é outra preocupação. Estabilizou-se no ano anterior à pandemia, quando também foi aprovada a reforma da Previdência, colocando-a numa trajetória melhor. A queda do PIB e o auxílio emergencial a levaram para outro patamar, acima. A questão agora é evitar que fuja do controle e o País entre num círculo vicioso de juros mais altos e crescimento baixo.

Nesse cenário inquietante, a vacinação e as reformas representam o centro definidor. O andamento positivo nas votações do Congresso e a aceleração do ritmo da vacinação podem dar tração à atividade econômica e acomodar as expectativas em relação ao câmbio - com efeitos diretos na inflação. É a porta para o País entrar num círculo virtuoso de juros baixos sustentáveis, mais crédito, mais investimento e melhorias nos indicadores sociais.

E o mais importante: para preservar vidas..

O Estado de S.Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrancada-rapida,70003663312