Acordo tem troca de reféns por prisioneiros e futuro incerto, por Luiz Carlos Azedo

Acordo tem troca de reféns por prisioneiros e futuro incerto, por Luiz Carlos Azedo

O Hamas se recusa a depor suas armas antes do estabelecimento de um Estado palestino. Netanyahu não aceita nem a presença da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza

O que presidente Donald Trump quereria dizer, no Parlamento israelense, ontem, ao afirmar que Benjamin Netanyahu foi o melhor presidente que Israel já teve para a guerra, enaltecendo sua atuação contra o Hamas e o Irã, mas sem falar que poderia sê-lo também para o futuro? Com certeza, não gostou de saber que seu colega não iria mais à "cúpula da paz em Gaza", na cidade egípcia de Sharm El-Sheik, organizada no Egito, para assinatura do Acordo de Paz entre Israel e o Hamas, à qual havia se comprometido a comparecer.

São notícias de um cessar-fogo no qual os últimos reféns israelenses vivos foram trocados por quase 2 mil prisioneiros palestinos, o que sinaliza uma alteração na conjuntura no Oriente Médio, em razão da posição de Trump, que mudou pelo fato de Israel ter bombardeado o Catar, aliado importante dos Estados Unidos no Oriente Médio e interlocutor privilegiado dos chefes do Hamas. Nos bastidores, sabe-se que o episódio levou Trump a dar um ultimato a Netanyahu, no Salão Oval da Casa Branca, para acabar com a guerra, na recente visita do presidente israelense a Washington.

A trégua entre Israel e o Hamas segue o mesmo roteiro da anterior, em maio deste ano, que sustou as hostilidades para uma troca de reféns por prisioneiros, logo seguida de uma escalada ainda maior da guerra de Gaza. O fato novo é o envolvimento direto de líderes do Oriente Médio e da Europa na discussão e execução das próximas etapas do acordo. O documento foi assinado por Trump e pelos presidentes Abdul al-Sisi (Egito) e Recep Tayyip Erdogan (Turquia), o emir Tamim bin Hamad Al Thani (Catar) e Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina.

Também participaram da reunião a premiê da Itália, Giorgia Meloni; o premiê do Reino Unido, Keir Starmer; e o presidente da França, Emmanuel Macron. Entretanto, Israel e o Hamas não compareceram, o que demonstra um futuro ainda incerto para Gaza. O acordo prevê o fim da guerra; o estabelecimento de condições para paz duradoura no Oriente Médio; e a implantação de um conselho que para supervisionar Gaza no primeiro momento do pós-guerra.

Outros detalhes continuavam vagos, caso do desarmamento do Hamas, que ontem mesmo demonstrou que ainda tem o controle de Gaza, apesar das baixas que sofreu, ao entregar ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) os 20 reféns vivos, divididos em dois grupos. Voltaram para casa Eitan Mor, Gali Berman, Ziv Berman, Omri Miran, Alon Ohel, Guy Gilboa-Dalal, Matan Angrest, Bar Kupershtein, Evyatar David, Yosef-Chaim Ohana, Segev Kalfon, Avinatan Or, Elkana Bohbot, Maxim Herkin, Nimrod Cohen, Matan Zangauker, David Cunio, Eitan Horn, Rom Braslabski e Ariel Cunio.

Impasses


O cessar-fogo prevê, também, a entrega dos restos mortais de 28 israelenses, mas apenas quatro foram efetivados. O Hamas alegou que ainda não conseguiu localizá-los. Em troca, Israel libertou 1.968 prisioneiros, incluindo 15 menores de idade. Marwan Barghouti e Ahmad Saadat, importantes líderes palestinos, condenados à prisão perpétua, não foram soltos. Antes da liberação dos reféns, as tropas israelenses se retiraram até uma linha que as deixou em controle de 53% da Faixa de Gaza, conforme acertado no acordo.

Uma força multinacional de 200 soldados, supervisionada pelo Exército dos Estados Unidos, acompanhará o cessar-fogo. Acredita-se que esta força inclua militares do Egito, do Catar, da Turquia e dos Emirados Árabes Unidos. Com 20 pontos, o plano afirma que, se as duas partes concordarem, a guerra "terminará imediatamente". Destaca que a Faixa de Gaza será desmilitarizada e "toda a infraestrutura militar, terrorista e ofensiva" será destruída. Gaza será governada por um comitê temporário de transição, composto por tecnocratas palestinos. Eles serão supervisionados por um "Comitê da Paz", chefiado por Trump como presidente, com a participação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.

O governo do território será eventualmente entregue para a Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, após passar por reformas. O Hamas administra a Faixa de Gaza desde 2007 e não terá participação no futuro governo, seja direta ou indiretamente, segundo o plano. Os membros do Hamas receberão anistia, caso se comprometam com a coexistência pacífica, ou receberão passagem livre para outro país. Nenhum palestino será forçado a deixar a Faixa de Gaza e aqueles que desejarem sair serão livres para retornar. Um painel de especialistas criará um "plano de desenvolvimento econômico de Trump para reconstruir e energizar Gaza".

Quais são os principais obstáculos? O Hamas se recusa a depor suas armas antes do estabelecimento de um Estado Palestino. O Netanyahu não aceita nem a presença da Autoridade Palestina na Faixa de Gaza após a guerra. O Hamas também declarou que espera ter alguma participação futura em Gaza, como parte de "um movimento palestino unificado".

Israel afirma que sua primeira retirada fará com que o país mantenha o controle de cerca de 53% da Faixa de Gaza. E o plano da Casa Branca indica novas retiradas, até cerca de 40%, e, em seguida, 15%. A etapa final seria um "perímetro de segurança", que "permanecerá até que Gaza tenha segurança adequada contra qualquer ressurgimento da ameaça terrorista".

A profecia do falecido historiador britânico-judeu Tony Judt, num artigo intitulado O que fazer?, em 2009, é mais atual do que nunca. Sem a solução do Estado Palestino, Israel viverá um drama existencial: continuar sendo um Estado judeu, com um regime de apartheid, e deixar de ser uma democracia liberal; ou se tornar uma democracia multiétnica e deixar de ser um Estado judeu, com a anexação dos territórios palestinos ocupados. A terceira opção seria empurrar os palestinos de Gaza para o deserto do Sinai e promover uma limpeza étnica nos territórios ocupados da Cisjordânia.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/acordo-tem-troca-de-refens-por-prisioneiros-e-futuro-incerto/