- Segundo Costa, banco pode renegociar contratos e conceder até perdão em obrigações contratuais
- Geradoras eólicas e solares têm sido obrigadas a interromper produção e citam prejuízos de R$ 5 bi
Fábio Pupo
Adriana Fernandes
Raphael Di Cunto
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) acompanha de perto a crescente crise na geração de energia no país. Maior financiador das usinas renováveis -que têm tido receitas afetadas por cortes obrigatórios-, o banco já sinaliza que pode renegociar contratos de crédito com as empresas e conceder até perdão para obrigações.
As geradoras vivem o problema do curtailment, termo para os cortes na produção de energia sobretudo por excesso de eletricidade no sistema em certos horários. O quadro reduz o faturamento dos projetos, com associações mencionando prejuízos acumulados de R$ 5 bilhões, e ameaça o pagamento de empréstimos contratados com o setor financeiro.
Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, afirma que a instituição vai ficar ao lado das empresas e proteger empreendimentos. Segundo a diretora, o BNDES é o maior financiador de energia renovável do mundo e grande parte das geradoras de energia renovável solar e eólica -onde o curtailment é mais aplicado- são clientes do banco.
"O BNDES é um banco que não vai pôr a faca no pescoço de alguma empresa que fique sem receita", diz ao C-Level Entrevista, videocast semanal da Folha. "Vai negociar liberação de conta reserva e waiver [perdão] se necessário, ficar do lado do cliente e proteger os projetos", afirma.
Ela diz que o curtailment tem gerado uma situação de crise nos investimentos no segmento de geração, diferentemente do entusiasmo com outras frentes da infraestrutura -como saneamento, que está na "crista da onda", e rodovias.
"Quando veio lá a crise da Light e da Americanas [que gerou uma retração no mercado], a gente segurou vários projetos. Agora, na hora do curtailment, a gente está muito próximo dos clientes e a gente não vai sair por aí quebrando o projeto", afirma.
Segundo ela, para mitigar o problema o BNDES está trabalhando para que investimentos em transmissão de energia sejam acelerados. Isso porque parte dos cortes acontecem pelas limitações de capacidade das linhas, embora em menor escala. "O que pode ser feito no âmbito do BNDES a gente está fazendo", diz.
Costa defende que o problema é conjuntural e precisa ser atacado com uma visão de longo prazo, tanto por meio de mudanças legais como em regulações a cargo do Ministério de Minas e Energia e da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Uma das soluções mais citadas pelas empresas afetadas é que os cortes sejam aplicados também à chamada geração distribuída, onde está principalmente a produção solar feita fora das grandes usinas (no telhado de residências, por exemplo). Hoje, essa modalidade fica livre dos cortes e "ocupa" de forma massiva o lugar das usinas no abastecimento do sistema (inclusive recebendo créditos pela energia inserida). Parte dos envolvidos no debate defende que é preciso mudar a lei para aplicar o curtailment também a essa modalidade.
O BNDES é um banco que não vai pôr a faca no pescoço de alguma empresa que fique sem receita. A gente vai negociar liberação de conta reserva e waiver, se necessário. A gente vai ficar do lado do cliente e proteger os projetosLuciana Costa
Diretora do BNDES, ao falar sobre os cortes de geração de energia
A queda na geração de energia ao entardecer também gera pedidos do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) para que outras usinas seja acionadas de forma a atender rapidamente à lacuna surgida no pôr-do-sol. Empresas que administram hidrelétricas, como a Eletrobras, têm pedido remuneração extra dizendo que esse atendimento rápido gera desgaste aos equipamentos.
Para Costa, esse pagamento tem que ser avaliado. "É um debate complexo. A resposta não é tão objetiva e acho que a preocupação do ministro [Alexandre Silveira, que é contra a remuneração] é que isso não vá parar na conta de luz. A gente também tem que levar isso em consideração. Mas a gente também tem que proteger o investidor", diz a diretora.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/10/bndes-nao-vai-por-faca-no-pescoco-de-empresas-de-energia-diz-diretora.shtml