José Paulo Kupfer
Num mundo econômico em que as incertezas sobre os rumos da economia global têm sido potencializadas pelas decisões não só fora dos padrões, mas também erráticas, que caracterizam o segundo mandato de Donald Trump, na presidência dos Estados Unidos, o travamento do Orçamento para o novo ano fiscal traz ainda mais incertezas.
Não houve acordo entre a maioria republicana e a oposição democrata para aprovação da lei orçamentária de 2025/2026, levando ao estabelecimento de um "shutdown" nos gastos públicos, a partir desta quarta-feira (1º). O acontecimento não é novidade, mas a polarização política hoje predominante nos Estados Unidos pode fazer com que o presente "shutdown" não seja igual aos anteriores, com consequências mais negativas para a economia global.
"Shutdown" é o termo em inglês que, literalmente, significa "desligamento", mas se transformou em jargão para definir o impasse parlamentar na aprovação do Orçamento do ano fiscal seguinte. Nos Estados Unidos, onde o ano fiscal começa em 1º de outubro, o "shutdown resulta em travamento de gastos públicos, com exceção dos que garantem serviços essenciais, até a aprovação de uma nova lei orçamentária
Com a combinação de "shutdown" e políticas imprevisíveis de Trump, a expectativa é de que a economia global enfrente agora novos períodos de instabilidade e de volatilidade nos mercados de ativos. Não é por coincidência que as cotações do ouro veem registrando recordes de alta desde o início do ano.
Na manhã desta quarta-feira, o mercado futuro de ouro em Nova York operava com novo recorde, a US$ 3.900 por onça troy (equivalente a 31,1 gramas). De janeiro a setembro, a cotação do ouro já avançou mais de 40%. Sinal evidente de que incertezas dominam a economia mundial.
Sem acordo político no Senado sobre a lei orçamentária para o ano fiscal 2025/2026, os americanos vivem, a partir desta quarta-feira (1º), sob severas restrições nos gastos do governo, inclusive nos que movem a máquina governamental, até que pelo menos 60 senadores aprovem algum Orçamento alternativo. A maioria republicana precisa de sete votos democratas para aprovar a lei orçamentária.
Vale lembrar que as leis brasileiras também preveem "shutdowns", caso o Orçamento não seja aprovado até fins de dezembro do ano anterior. O travamento, contudo, apenas limita o uso dos recursos públicos a uma parcela mensal equivalente a uma décima segunda parte da previsão orçamentária para o ano.
Por duas ocasiões, nos últimos 20 anos, em 2021 e 2025, a lei orçamentária brasileira só foi aprovada em fins de março, resultando em contingenciamento de gastos. Nos demais exercícios, quando não aprovado dentro do prazo, o Orçamento entrou em vigor em janeiro ou fevereiro.
Nos Estados Unidos, com o atual shutdown, já são 22 os eventos do tipo desde 1976, quando o ano fiscal passou a ser contado de 1º de outubro de um ano até 30 de setembro do ano seguinte. O mais longo deles durou 35 dias e ocorreu entre fins de 2018 e início de 2019, no primeiro mandato de Trump.
Na época, o impasse se deu em torno dos recursos públicos previstos para a construção de um muro na fronteira com o México, rejeitado pelo partido Democrata. Em 2025, o impasse se dá pela rejeição dos democratas a cortes nos gastos públicos em programas de seguro-saúde para cidadãos de baixa renda.
Além de transtornos na vida cotidiana dos americanos, com efeitos especialmente prejudiciais para os servidores públicos, que são suspensos de suas funções ou obrigados a trabalhar sem remuneração, os shutdowns impactam negativamente os mercados financeiros e a própria economia real.
Estimativas apontam que o "shutdown" de 2018/2019 resultou numa redução de US$ 11 bilhões em relação ao projetado para a economia americana em 2019, nos dois trimestres que se seguiram à trava dos gastos públicos, dos quais US$ 3 bilhões nunca foram recuperados.
Perdas se deram principalmente pela redução do consumo, com destaque para a retração de compras dos quase um milhão de servidores públicos atingidos. De todo modo, é um montante pouco expressivo diante da volatilidade que o shutdown transfere aos mercados financeiros e de commodities globais.
Incertezas adicionais sobre os rumos da economia americana, reforçadas pelo "shutdown", tenderiam, historicamente, a aumentar a chamada "aversão ao risco", e causar uma revoada de recursos dos mercados emergentes para o dos Estados Unidos, antes tido como o mais seguro do mundo, no movimento conhecido como "fly to quality" (voo para a qualidade).
Mas os Estados Unidos têm, gradualmente, perdido essa posição privilegiada, justamente desde um "shutdown" em 2011, no governo Barack Obama, em que o impasse ocorreu na rejeição da então oposição republicana em ampliar o teto da dívida pública. Na ocasião, os títulos do Tesouro americano tiveram a primeira perda da classificação AAA.
É possível, por isso, que o "shutdown" de 2025 concorra mais para enfraquecer o dólar ante outras moedas, ao mesmo tempo em que talvez até se amplie a destinação de recursos para investimento em mercados emergentes.
Também a possível extensão do freio que já atinge a atividade econômica, nos Estados Unidos, acelere cortes pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano) nas taxas de juros de referência, incentivando, em países com juros mais altos, caso do Brasil, operações de "carry trade" (tomada de recursos onde juros estão mais baixos para aplicação em mercados nos quais as taxas estão mais altas).
No primeiro dia do novo "shutdown" nos Estados Unidos, a cotação do dólar no mercado brasileira registrava baixa ante o real, no fim da manhã. A Bolsa de Valores operava oscilando em torno da estabilidade.
Uol
https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2025/10/01/shutdown-nos-eua-amplia-incertezas-e-cotacao-do-ouro-bate-recordes.htm