- Dono do grupo Esfera participou dos esforços de empresários nos EUA para amenizar crise das tarifas
- Ele estima que o presidente americano vá criar empatia forte com o petista e aproximar os dois países
Joana Cunha
A despeito da torcida de uma parte do empresariado pela candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Presidência, João Camargo, dono do grupo Esfera, não vislumbra um consenso em torno do governador de São Paulo para a eleição de 2026.
Tido como um dos empresários mais influentes nos bastidores de Brasília e reconhecido pela argúcia na previsão de reviravoltas políticas, Camargo afirma que o presidente Lula seria reeleito se o pleito fosse hoje.
"O pessoal do centro e da direita colaborou para a guinada do Lula. A PEC da Blindagem fez com que a esquerda colocasse milhares de pessoas nas ruas", diz.
O Esfera, que promove encontros entre empresários e autoridades do alto escalão no Brasil para defender pautas do setor privado, também foi a Washington para tentar reduzir a tensão no caso das tarifas de Trump.
Camargo aposta que o aceno do presidente americano a Lula foi para valer, e os dois países vão se aproximar. "Acho que Trump vai criar uma empatia forte com Lula", diz.
Ele acaba de deixar a CNN e vai se dedicar ao projeto de uma nova rádio, a TMC, derivada da Transamérica, que adquiriu neste ano.
O que motivou a sua saída da CNN?
O [controlador da CNN Brasil, Rubens] Menin é um homem muito rico. Tem muita gente, amigos meus da Faria Lima, que diz que eu fui um grande presente na vida dele, porque eu peguei no vermelho e entreguei no azul. Criei o canal de TV CNN Money, o CNN Talks, que hoje é 30% da receita do grupo. Quintuplicamos a audiência. Reformulamos o site.Eu saí porque tinha um projeto meu. Tinha comprado a Transamérica. Tentei fazer um acordo com o Menin para ir de sócio comigo. Ele não quis. Não deu para a gente escrever as partes relacionadas [que seria o modelo de distribuição da receita de propaganda entre rádio e TV]. Como a gente não conseguiu, eu falei, Menin, a TV está brilhante. Entreguei e saí para tocar o meu projeto novo.
E quais são os seus planos para a Transamérica?
Chamamos o Sérgio Valente, que foi da DM9, Globo e depois JBS. Quando ele saiu, abriu uma empresa chamada Soluções Valentes. O primeiro cliente somos nós. É uma rádio disruptiva. Eu quero dar informação e esporte. Trouxe meu irmão, Neneto, que é o maior expert em rádio do Brasil, com Alpha, 89, Disney. Coloquei ele de executive chairman na Transamérica, que agora é TMC.Alugamos 1.500 metros quadrados na avenida Paulista. Estamos em seis capitais. Acertando o formato, vamos colocar umas 500 afiliadas para pegar no Brasil inteiro.
Como o sr. está vendo o cenário no Brasil hoje? E o governo Lula?
A política está muito estressada. Mas os índices econômicos nunca foram tão bons. Tem pleno emprego, praticamente. Mesmo com juros exorbitantes, o Brasil está crescendo. A queda dos juros vem em janeiro, fevereiro. Vai dar um alento forte na economia, uma guinada na Bolsa, desalavancagem das empresas.Outro fator são os EUA. Quando começar a desacelerar lá, a entrada de dólar aqui vai ser gigante. E tem uma dessincronização gigante da centro-direita nesses últimos 60 a 90 dias, fazendo uma coisa pior que a outra. Primeiro, eles dizem que, se não tiver anistia, os brasileiros vão pagar a conta das tarifas de 50%. Um absurdo. Se você quiser fazer uma Lei Magnitsky em alguém, é absurdo, mas não é contra todos os brasileiros.
As últimas votações do Congresso foram confusas. A Câmara perdeu seu corporativismo. Se você pega Judiciário, Executivo, Senado, é totalmente corporativista.
A PEC da Blindagem não foi corporativismo da Câmara?
Eles ficaram de fevereiro até setembro sem se entender, se cassa Carla Zambelli, vota anistia, cassa Eduardo Bolsonaro. Não andou nenhuma votação na Câmara. O enfrentamento entre os deputados foi horroroso. Faltou uma liderança firme em colocar a pauta em dia.Teve um erro de descompasso da Câmara e um acerto do Lula, ao aproveitar essa confusão do centro até a extrema direita de Eduardo Bolsonaro. O Lula surfou na onda, voltou a ter frases de efeito mais inteligentes, não precisou mais fazer aquele discurso de confrontar rico com pobre. O tensionamento em Brasília é grande. Congresso pode apertar Executivo na CPMI do INSS. Executivo pode responder.
O pessoal do centro e da direita colaborou para essa guinada do Lula. A PEC da Blindagem fez com que a esquerda colocasse milhares de pessoas nas ruas.
Como fica a eleição de 2026 nisso?
Se a eleição fosse hoje, Lula ganharia, porque está tudo desarticulado. Eduardo xinga Tarcísio, Michele diz que virou leoa, aí tem Ratinho, Zema, Caiado. Aí o empresariado quer o Tarcísio. Está sem união.Uma parte do empresariado não gostou da radicalização do Tarcísio [com ataques ao STF], não?
O Tarcísio é inteligente, correto e digno. Foi no calor da emoção. Não foi um erro gigante. Ele é bem resolvido. Quer ser governador mais uma vez e não presidente. Agora, se for o consenso [que ele se candidate à Presidência], ele não vai ter como dizer não. Mas eu não estou vendo esse consenso lá na frente. Ele tem pretensão de chegar à Presidência, mas não é o que ele quer hoje. Ele pode pegar mais quatro anos de governo em São Paulo.
Se o Lula ganhar um quarto mandato, eu acredito que o PT vai começar a brigar pelo espólio dele em vida. Assim como o centro e a direita estão brigando hoje.
O sr. participou dos esforços de empresários que tentaram negociar com o governo dos Estados Unidos sobre as tarifas de Trump contra o Brasil? Como foi isso?
Como tenho uma segunda residência na Flórida há muito tempo, fiz amizade com Francis Suarez, prefeito de Miami, que me apresentou muita gente de Mar-a-Lago [resort de Trump]. Apresentou Mauricio Claver-Carone [conselheiro de Trump]. Tem também um advogado, Brian Ballard, de quem acabei me tornando amigo, e um sócio dele, amigo do Marco Rubio [secretário de Estado].Pedi que me ajudassem a fazer uma agenda em Washington. Aí calhou de [os empresários] Carlos Sanchez, Lírio Parisotto e Joesley também estarem lá. Conversei com a senadora Ashley Moody, muito ligada ao Trump. Fui só nas pessoas que tinham influência no Trump, os deputados que passam fim de semana com o Trump em Mar-a-Lago. E disse: olha, se vocês não nos ajudarem a rever isso, nós vamos ter que ir para a China. Nós queremos ficar com vocês. Não podem nos tratar assim. Falei com a deputada Maria Elvira Salazar e Susie Wiles, chefe de gabinete.
O aceno de Trump a Lula na semana passada tem correlação com essa conversa?
O Trump só estava ouvindo, talvez, alguém lá da família Bolsonaro. Fomos dar outro Brasil para eles. Falamos: gente, o Brasil funciona. Tem Justiça, Executivo, Legislativo, tem empresário, a economia é boa, a garantia jurídica é boa. Eu acho que teve pessoas mais fortes do que eu com o Trump. Eu não consegui conversar com o presidente, nem tinha essa pretensão. Teve gente que ajudou 70 vezes mais que eu.Está se referindo ao Joesley Batista, da JBS, que esteve com Trump?
Eu não sei quanto cada um ajudou. Mas acredito que esses empresários que têm coisa nos EUA, como JBS, Embraer, tenham ajudado bastante. Eu fui lá para tentar ajudar, senão começa a cair PIB aqui. De que adianta você ter um imóvel caro que não vale nada perante o que vale um imóvel nos EUA? Temos que crescer esse Brasil.O sr. acha que o Trump vai aliviar agora?
Acho que vai criar uma empatia forte com Lula. A gente vai acabar se aproximando dos EUA.Receia que faça humilhação com Lula, como fez com Volodimir Zelenski?
Já sentimos pelas nossas conversas que não vai fazer isso. Ele tem ligação forte com o bolsonarismo, mas é pessoal. Acredito também que a Magnitsky contra o ministro [do STF Alexandre de] Moraes vai ser revista. O Lula vai conseguir tirar de letra isso aí, porque é o maior encantador do Brasil hoje.RAIO-X | JOÃO CAMARGO, 64
Formado em administração pela PUC-SP, é presidente do conselho de administração do Esfera Brasil. Deixou a posição de executive chairman da CNN Brasil para seguir no negócio de rádio, que reúne marcas como Alpha, 89 e agora TMC. É sócio das rádios Alpha e 89.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/09/fora-da-cnn-joao-camargo-renova-radio-ve-lula-reeleito-e-tarcisio-sem-consenso.shtml