Lula recorreu ao Supremo para não derreter como sorvete, por Luiz Carlos Azedo

Lula recorreu ao Supremo para não derreter como sorvete, por Luiz Carlos Azedo

A virada de mesa do Congresso pegou o presidente de surpresa. Sua reação foi deslocar o eixo da disputa para a sociedade e mudar a narrativa do ajuste fiscal para a justiça tributária

O ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, anunciou nesta terça-feira que protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual sustenta que o decreto presidencial é um ato constitucional, válido e lícito, e não poderia ter sido objeto de sustação por decreto legislativo. Para o governo, a medida do Congresso violou o princípio da separação de poderes.

Messias disse que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que anulou os efeitos do decreto presidencial impactou negativamente a política econômica e tributária. A decisão do governo escala a crise entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso, mas não havia outra alternativa. Se aceitasse a decisão do Legislativo, Lula perderia toda e qualquer capacidade de iniciativa nas negociações com o Centrão. E seu governo derreteria como sorvete no sol quente.

Não é uma situação nova. Essa é a quarta vez que um presidente da República é emparedado pelo Centrão desde o segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, em cujo governo foram criadas as emendas impositivas. A petista tentou resistir e fracassou. Perdeu o controle da economia e, com a popularidade na lona por causa da inflação, acabou deposta pelo Congresso.

O ex-presidente Michel Temer, que assumiu o poder, após a denúncia feita pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot, também viu sua popularidade ser volatilizada. Entretanto, sempre foi um hábil negociador e conduziu as relações com o Centrão de maneira a evitar um impeachment. Nesse processo, o Congresso avançou em muitas casas em relação ao Orçamento da União.

Por causa do envolvimento do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) com o ex-policial militar e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe da milícia do Rio das Pedras e do Escritório do Crime, o ex-presidente Jair Bolsonaro também se viu acuado pelo Congresso. Adriano era citado nas investigações do Ministério Público fluminense sobre a morte da vereadora Marielle Franco e um suposto esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa fluminense. O caso foi arquivado pela Justiça.

Bolsonaro suspeitou que o então vice-presidente Hamilton Mourão conspirava para que sofresse um impeachment, mas pôs um ponto final na crise ao fazer uma reforma ministerial e entregar a chefia da Casa Civil da Presidência para Ciro Nogueira (PI), o presidente do PP. O Centrão conquistou, assim, não só uma fatia maior do Orçamento da União, mas também o poder de coordenar a execução das emendas impositivas.

Impasse institucional


A perda de popularidade é o denominador entre esses três momentos. Mas há uma diferença no plano institucional: um decreto legislativo derrubou uma decisão na esfera de atribuições exclusivas do Executivo. Trata-se de uma mudança que precisa ser referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cuja principal atribuição é zelar pelo respeito à Constituição.

O jurista italiano Norberto Bobbio, no auge da crise política italiana provocada pelo sequestro e assassinato do primeiro-ministro democrata-cristão Aldo Moro pelo grupo terrorista Brigadas Vermelhas, escreveu artigo no jornal La Republica no qual sustentava que o governo é sempre a forma mais concentrada de poder da sociedade, mesmo que eventualmente seja um "mau governo".

Qualquer governo, por mais fraco e desmoralizado que seja, advertia ele, depois da queda de sucessivos gabinetes no parlamento italiano, tem o poder de normatizar, arrecadar e coagir, que são atribuições essenciais do Estado. Vem daí a força do Executivo. O ineditismo da decisão do Congresso é que retira do presidente Lula esse poder em matéria tributária. Só o Legislativo cria e estabelece impostos, mas cabe ao Executivo estabelecer suas alíquotas. Essa prerrogativa foi obliterada pelo Congresso.

Dependendo da carga tributária, um governo pode ser volatilizado. Uma das causas da Revolução Americana foi a taxação imposta às 13 colônias britânicas na América do Norte. Imposto, o nome já diz, ninguém gosta de pagar. O governo alega que o decreto derrubado pelo Congresso havia sido fruto de uma negociação entre os presidentes Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o governo, conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A virada de mesa do Congresso pegou Lula de surpresa. Sua reação foi deslocar o eixo da disputa para a sociedade e mudar a narrativa oficial do ajuste fiscal para a justiça tributária. O desfecho dessa crise é imponderável. Nas redes sociais, Lula e o PT foram para a ofensiva, sobretudo contra o presidente da Câmara, Hugo Motta, que tem a prerrogativa de estabelecer a pauta da Câmara e abrir um processo de impeachment contra o presidente da República.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/lula-recorreu-ao-supremo-para-nao-derreter-como-sorvete/