Por Leonardo Adriano Ragacini, mestrando na Escola de Comunicações e Artes da USP
A influência das big techs tem transformado não apenas a economia, mas também o próprio funcionamento da política e da sociedade. O que antes era um espaço de inovação tecnológica tornou-se um campo de disputas de poder, em que algoritmos decidem o que vemos, consumimos e até mesmo em quem votamos.
No livro Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política, o autor Evgeny Morozov examina como essas corporações estão redefinindo as relações de poder e questiona se ainda há espaço para a política tradicional em um mundo governado por algoritmos e dados. A ascensão das big techs se deve à capacidade de coletar, processar e monetizar dados em uma escala sem precedentes. Os dados se tornaram o novo petróleo, mas seu valor reside na habilidade de analisá-los e transformá-los em predições comportamentais.
Empresas como Google, Facebook, Amazon e Apple construíram impérios sobre a coleta incessante de informações pessoais, gerando modelos preditivos que influenciam desde o consumo até as decisões políticas. A manipulação da informação digital permite que plataformas alterem as percepções e os comportamentos de maneira invisível, um fenômeno descrito como "vigilância algorítmica". Mais do que intermediárias, essas empresas de tecnologia se tornaram verdadeiros arquitetos do debate público, determinando o que ganha visibilidade e o que é relegado ao "esquecimento digital". Uma das premissas mais questionáveis dessas empresas é a suposta neutralidade dos algoritmos. Os sistemas de recomendação e curadoria de conteúdo não apenas refletem, mas amplificam determinadas ideologias e visões de mundo dos seus criadores.
Ao estruturar e filtrar informações de acordo com interesses comerciais e políticos, essas plataformas acabam por alimentar a polarização e fragmentar a esfera pública, substituindo o debate democrático por bolhas informacionais cada vez mais fechadas. Esse cenário levanta um questionamento crucial: a política está sendo substituída por uma tecnocracia digital? O livro argumenta que a lógica algorítmica das plataformas não apenas redefine o espaço público, mas também limita as possibilidades de ação coletiva e resistência. Sistemas digitais privilegiam interações individuais e consumo rápido de informação, em detrimento da construção de consensos democráticos, tornando a participação cidadã um simulacro regido por métricas de engajamento. O autor alerta para uma questão essencial: quem controla os algoritmos que moldam a sociedade? Ao transferir nosso poder de decisão para sistemas automatizados, corremos o risco de criar um mundo onde a política se reduz a predições de comportamento e maximização de engajamento.
O dilema se agrava com a opacidade dessas ferramentas, uma vez que as regras que regem o funcionamento das plataformas são definidas por poucas corporações, sem transparência ou controle democrático. Diante desse cenário, quais são as saídas? O livro aponta dois caminhos principais: regulação estatal ou ruptura do modelo atual. Para o autor, a regulação dessas empresas é uma necessidade urgente, pois sem regras claras o mercado digital continuará operando em uma lógica predatória e concentradora de poder. Em paralelo a isso, a possibilidade de modelos descentralizados, como blockchain, que poderiam oferecer alternativas a esse monopólio. Blockchain é uma tecnologia de registro distribuído que permite armazenar dados de forma transparente e imutável, sem a necessidade de intermediários.
Ao descentralizar o controle da informação, essa tecnologia pode atuar como uma alternativa ao monopólio das big techs, reduzindo a influência das corporações sobre a circulação de dados e aumentando a transparência no espaço digital. Em um contexto democrático, blockchain poderia ser utilizado para evitar censura, garantir a veracidade de informações e possibilitar novas formas de governança digital, colocando em xeque o modelo centralizado dessas empresas. Funciona como um grande livro contábil digital, onde cada transação é validada por uma rede descentralizada de computadores e protegida por criptografia. Essa estrutura impede alterações retroativas e garante a segurança e confiabilidade das informações. O potencial do blockchain vai além das criptomoedas, podendo ser aplicado em áreas como contratos inteligentes, verificação de identidade e descentralização da internet. No entanto, essas iniciativas ainda enfrentam desafios significativos para se consolidarem.
Isso reforça o monopólio das grandes plataformas e dificulta a criação de ecossistemas digitais mais democráticos e diversificados. A crescente influência dessas empresas sobre a sociedade coloca em xeque os princípios básicos da democracia e da autonomia política. Como destaca Morozov, estamos em um momento decisivo: ou encontramos formas de equilibrar a relação entre tecnologia e política, ou corremos o risco de transformar a democracia em um sistema gerido por algoritmos, onde a participação cidadã é apenas uma ilusão algorítmica. A grande questão que permanece é: ainda há tempo para retomar o controle?
Algumas iniciativas já buscam alternativas ao domínio das big techs, como o desenvolvimento de redes sociais descentralizadas baseadas em blockchain, o avanço de legislações como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na União Europeia e o crescimento de movimentos em prol da soberania digital. Esses caminhos indicam que há possibilidades de resistência, mas sua eficácia dependerá do engajamento coletivo e da capacidade de regular um mercado tão concentrado.
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