Por Thiago Prado na newsletter Jogo Político
O rosto mais popular do Brasil quando o assunto é pesquisa eleitoral não podia faltar na série da newsletter com os mais relevantes donos de institutos e estrategistas políticos do país. Felipe Nunes é o responsável pela Quaest, a empresa que no ano passado foi contratada pela TV Globo para as pesquisas em 26 capitais das corridas municipais. Além disso, todo mês, em parceria com a Genial Investimentos, Nunes e sua turma soltam os números sobre a popularidade do governo Lula, índices que o mundo da política investiga com lupa de olho nos cenários para as eleições do ano que vem.
A nossa série de entrevistas está chegando ao fim nesse mês de abril. Desde janeiro, conversamos com 11 pessoas e ouvimos as mais variadas opiniões. Tem gente que acha que Lula vai perder, tem gente que acha que Lula vai ganhar. Há até quem especule que o petista vai desistir de concorrer em 2026. Do lado da direita, tem gente que acha que Jair Bolsonaro vai de Tarcísio de Freitas, tem gente que acha que vai de Michelle ou Eduardo Bolsonaro. Você pode ler todas as entrevistas abaixo:
Abaixo os principais trechos do bate papo com Felipe Nunes:
O senhor vem falando sobre o fim da gratidão do eleitor, que interpreto como uma crítica ao entendimento de que governos sempre recuperarão popularidade com mais programas sociais e benefícios. Então não adianta mais apenas governar bem para a população aprovar um político, e ele se reeleger?
O eleitor brasileiro chegou na adolescência. E um pai, por mais que esteja fazendo um bom trabalho, nem sempre agrada o filho nesta idade. É preciso convencê-lo de que este é o caminho certo. Esse adolescente está amadurecendo ainda, já testou de tudo para a Presidência em mais de três décadas: um governador bonito do Nordeste, um professor da USP, um operário pobre, uma primeira mulher, um militar de direita... agora, está mais crítico, mais exigente, mais aborrecido. Tem até uma certa rebeldia e suas opiniões nem sempre são coerentes e, muito menos, pertinentes. O que o governo precisa entender é: tudo que ele faz não é mais do que uma simples obrigação para o eleitor.
Na entrevista da semana passada, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, indicou discordar dessa tese e elencou uma série de projetos do governo para melhorar a aprovação popular de Lula...
Nossas pesquisas mostram que 70% dos eleitores não têm medo de perder qualquer benefício social independente do governo que estiver em curso. Foi Jair Bolsonaro que contribuiu com isso ao manter e aumentar o valor do Bolsa Família, que ele tanto criticava. Há um desafio maior neste momento: convencer as pessoas de que o Brasil está no caminho certo. Hoje, a nossa pesquisa mostra que 56% acham que estamos na direção errada. Para isso, é preciso passar convicção, credibilidade e confiança, coisas que o governo tem tido dificuldade. Prometeram uma frente ampla, mas o Planalto governa com o PT. Prometeram picanha e cerveja, mas o povo não consegue nem comer ovo direito. Há um vai e volta de decisões como no caso das taxações das blusinhas e do Pix.
Me dê um exemplo de algo que poderia funcionar para o Planalto virar o jogo da popularidade...
Nessa tentativa de convencer as pessoas, o governo poderia criar novidades a partir de uma reformulação na equipe ministerial, por exemplo. Tem uma nova geração de esquerda que não está representada. Por exemplo: a deputada Tabata Amaral. Há outros nomes jovens por aí. Uma medida dessas daria frescor no governo e faria com que aumentasse a possibilidade de conexão com o eleitor.
Os dois donos de institutos de pesquisa que ouvi na série pensam diferente sobre 2026. Renato Meirelles, do Locomotiva, acha que Lula é favorito para vencer no ano que vem, e Maurício Moura, do Ideia, pensa que o presidente é, na verdade, favorito para perder. Você está de que lado?
Tenho medo de quem tem certeza do que vai acontecer na política, mas aposto em duas evidências. Será uma eleição muito acirrada mais uma vez na lógica candidato petista versus candidato antipetista, e vai vencer quem tiver menor rejeição em um grupo de pessoas específico: aqueles que votaram no Lula em 2022 e estão descontentes com o governo. São os liberais sociais, pessoas que antes votavam no PSDB e foram com o PT apenas naquele ano. Estamos falando de apenas 10% do eleitorado em disputa, nada mais do que isso.
Mesmo com Bolsonaro fora da urna por estar inelegível ou até mesmo com uma desistência do Lula de concorrer, sempre citada como hipótese, o senhor mantém essa tese de que o jogo estará apenas nesse público?
Sim. Enquanto Lula e Bolsonaro estiverem vivos, permanecerão no game mesmo sem ser candidatos. E o desenho será o mesmo: os mais pobres e os de esquerda votarão no candidato petista, os mais ricos e de direita, no antipetista. Outro exemplo: faça o que fizer, o PT vai perder entre os evangélicos. Esse público não está em disputa. O jogo estará nos chamados swing voters de quatro lugares: eleitores das cidades de São Paulo, Salvador e Rio, e do estado de Minas Gerais. Basicamente, aí estão os tais 10%. Quem conquistar esse desiludido vencerá. Agora, neste momento, por mais que o governo esteja mais desaprovado que aprovado, esse eleitor está dizendo nas nossas pesquisas que não vai votar em ninguém. Ou seja, por ora, Lula vence as simulações eleitorais que tenho feito porque as pessoas ainda desconhecem as alternativas da oposição.
Hoje, na direita, quem se apresenta como o melhor nome para atrair esses 10% em disputa?
Pela ordem, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o de Minas, Romeu Zema (Novo). Pelos colégios eleitorais que representam, por encarnarem o antipetismo e por terem rejeições baixas. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, é um bom nome, mas tem o desafio político de conseguir se viabilizar candidato dentro de um partido como o União Brasil. E Ratinho Jr (PSD) também considero com menos chance por não ser tão antipetista.
Houve um comentário seu na Globonews no início do ano indicando que há um ambiente propício no país para o surgimento de um outsider competitivo como João Dória, Wilson Witzel e o próprio Bolsonaro foram no passado. Outsider não é igual a técnico português no futebol brasileiro, só lembramos dos vitoriosos e esquecemos dos que fracassam?
Concordo que, embora haja uma demanda, não basta ser outsider. A eleição de São Paulo mostra isso, Pablo Marçal teve erros cruciais na reta final da disputa que o tiraram do segundo turno. Nem todos triunfaram, mas já há no Brasil história para contar de outsider que deu certo, sim. Zema em Minas, que citei acima como um nome importante, está no segundo mandato e poderá perfeitamente adotar essa pegada no ano que vem.
Em entrevista a Reinaldo Azevedo no programa "Reconversa", Marcello Fauhaulber, marqueteiro de Eduardo Paes, deu uma cutucada nas suas pesquisas que tem mostrado a violência como a maior preocupação dos brasileiros ao mesmo tempo em que todos os governadores presidenciáveis citados acima seguem sendo bem avaliados. Não é, de fato, uma contradição na medida em que eles que comandam as polícias?
O problema não está no trabalho das polícias comandadas pelos governadores, elas são respeitadas e têm boa imagem diante da população assim como a igreja e o exército. O problema é a sensação geral que a polícia prende, e a justiça solta. O eleitor entende cada vez mais que a violência se profissionalizou e que, agora, estamos tratando de uma questão nacional. Que se resolve na elaboração de leis mais rígidas em Brasília. Segurança será um grande tema da eleição de 2026, e os candidatos serão cobrados por uma agenda mais dura.
Além da segurança, quais outros desafios para Lula conseguir o quarto mandato?
Já falamos aqui do crescimento dos evangélicos e do fim da gratidão automática aos programas do governo. Maurício Moura na entrevista que te deu tratou da maldição dos incumbentes no pós-pandemia, são 17 derrotas de candidatos à reeleição em 21 disputas pelo mundo. Quero ressaltar também outros dois aspectos econômicos: a maior pejotização do trabalho que gera a perda de relevância dos sindicatos e das mobilizações coletivas, e a desconexão da economia do PIB com a economia real. Cada vez mais ganham importância as pesquisas que captam o sentimento das pessoas sobre a economia do que propriamente os índices como IPCA, Caged, e outros em que o governo comemora bons resultados. Vivemos em um mundo em que a percepção é afetada não só pelo preço das coisas e pela renda das pessoas. Hoje temos informação sobre o que os outros estão consumindo, o que o influenciador usa, tudo em tempo real. Isso impacta a avaliação sobre a economia.
A esquerda culpa a direita por mentir nas redes e isso, sim, afetar a visão das pessoas...
Não há nenhuma evidência de que isso esteja acontecendo. Fake news hoje em dia não mudam a opinião de ninguém. Elas só confirmam a informação de quem já pensa de determinada forma. Depois disso, a pessoa vai para o embate público com mais vontade ainda de dizer que está certa. É um instrumento muito maior de mobilização do que de convencimento. Vale para a esquerda e para a direita.
E como lidar com o eleitor que mente nas pesquisas, seja para esconder quem é o seu candidato preferido (o chamado voto invisível), seja para aparecer politicamente correto nas respostas?
São desafios do nosso mercado desde os anos 50. Quem responde pesquisa pode faltar com a verdade quando fala de sexo ou comportamento ilegal, por exemplo. É o chamado viés de desejabilidade social, quando as pessoas dão as respostas mais aceitas socialmente. Todo mundo em tese transa sempre, quando sabemos que não é verdade. Ou ninguém admite que é racista no Brasil ao mesmo tempo que todos dizem que existe racismo. A gente vem desenvolvendo técnicas ao longo dos anos: damos o tablet para o eleitor marcar a resposta dele, deixamos claro que a opinião seguirá no anonimato. No caso da política, não dá para dizer que eliminamos o chamado "voto invisível", mas ele deixou de ser relevante.
Pesquisas sobre a anistia para os acusados pelo 8 de janeiro não podem ser afetadas pela tal desejabilidade social (hoje a maioria se diz contra perdoar quem participou dos ataques às sedes dos poderes)
Sim, podem, e por isso temos que ter pesquisadores que perguntem para as pessoas se elas tomaram conhecimento do assunto, se entendem do que estão falando. Por outro lado, já podemos ver a sociedade começando a enxergar alguns exageros do Supremo Tribunal Federal.
Em quais nomes a esquerda deveria investir no pós-Lula?
Camilo Santana e Fernando Haddad são os nomes que se colocam na linha de frente de uma sucessão imediata. Camilo por ser um nome jovem do Nordeste ligado a uma área importante que é a educação. Na reforma tributária, Haddad está tentado tirar a pecha do Taxxad e virar o Robin Hood, aquele que tira dos ricos para dar para os pobres. Citaria outros dois nomes no médio prazo fora do petismo: João Campos e Eduardo Paes. Ambos conseguem vencer a polarização e dialogar com o centro.
Explodem as ideias de programas novos no Ministério da Saúde e uma dúvida fica no ar: Padilha vem candidato a governador de São Paulo? Tarcísio de Freitas acha que sim
Reportagem do Globo da semana passada especulou a possibilidade do PT lançar outsiders em São Paulo para a disputa ao governo do estado. Correm por fora ainda o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB), que prefere muito mais vir a vice de Lula novamente em 2026; e o ministro do Empreendedorismo e da Microempresa, Márcio França (PSB), este sim, animado com a hipótese.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) não acredita em nenhum desses nomes. Para ele, quem vai se cacifar ao longo dos próximos meses para a disputa é o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT). Nos últimos dias, são muitos os textos na imprensa que falam de novas ideias de programas na pasta antes comandada por Nísia Trindade.
Manchete do Globo do dia 14 de abril apontou que: "Governo planeja exames e cirurgias em rede privada para acelerar a fila do SUS". Será uma espécie de reformulação do programa "Mais especialidades", que deverá ganhar um novo nome em breve: "Era um péssimo batismo de marca. Tinha que ser algo como Fila Zero", diz Renato Meirelles, do Locomotiva, em trecho da entrevista que me deu que acabei não utilizando na newsletter.
Na Veja de sexta-feira, Robson Bonin falou de mais um programa no forno da equipe de Padilha: "No esforço de melhorar a popularidade, Lula resolveu apoiar a criação de um plano de saúde popular, de até R$ 100, para cobrir consultas e exames. O serviço tem potencial para atender a 50 milhões de novos clientes", escreveu. Thomas Traumann, em sua newsletter semanal, informou que a ideia foi levada a Lula pelo empresário José Seripieri Junior.
Datafolha do início do mês aponta que Padilha teria muita dificuldade contra Tarcísio em uma eleição. Em um eventual segundo turno entre os dois, o governador de São Paulo marcaria 64% das intenções de votos contra 20% do petista. Uma única boa notícia para Padilha em São Paulo é o seu baixo índice de rejeição: 20%, um ponto percentual a menos que Tarcísio. O campeão neste quesito em São Paulo é o ex-coach Pablo Marçal (45% dizem que jamais votariam nele).
O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/04/23/jogo-politico-pt-perdera-entre-os-evangelicos-em-2026-so-ha-10percent-do-eleitorado-em-disputa-diz-felipe-nunes-da-quaest.ghtml