Gleisi Hoffmann ao tomar posse no cargo, em março - Foto: Brenno Carvalho |
No primeiro mês de Esplanada, Gleisi cessa críticas a Haddad, mira bolsonarismo e aposta nas redes

No primeiro mês de Esplanada, Gleisi cessa críticas a Haddad, mira bolsonarismo e aposta nas redes

Perfil da ministra, que prioriza o enfrentamento ao bolsonarismo, ajuda a ocupar vácuo deixado no governo com saída de Dino, mas desafia relação do Planalto com lideranças do Centrão


Por Rafaela Gama - Rio de Janeiro

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), completa hoje um mês no comando da articulação política do governo Lula junto ao Congresso desempenhando a função de porta-voz dos feitos do presidente nas redes sociais, evitando críticas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e mantendo o tom combativo no enfrentamento ao bolsonarismo, que marcou sua atuação como presidente do PT. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, a postura ajuda a ocupar o "vácuo" deixado pela comunicação institucional, mas também representa um desafio para a aproximação com lideranças do Centrão no Parlamento.

Um levantamento feito pelo GLOBO indica que, dos 99 posts monitorados desde o momento em que Gleisi foi anunciada como integrante do primeiro escalão, 72 são discursos de enfrentamento ao grupo político de Jair Bolsonaro e de divulgação de proposições da gestão petista, como o Crédito do Trabalhador e a isenção do imposto de renda para quem recebe até 5 mil.

No papel de articuladora política, a ministra intensificou a divulgação de feitos da gestão nas redes, inclusive os da área econômica, que no passado foi alvo de críticas da petista. Sob seu comando, o diretório nacional do PT chegou a chamar de "austericídio fiscal" a política conduzida por Haddad.

No período, Gleisi celebrou o lançamento do programa Crédito do Trabalhador, anunciado por ela como "empréstimo do Lula". A estratégia de atrelar a imagem do presidente diretamente ao programa de crédito consignado, porém, teve um efeito colateral: a bancada do Novo chegou a protocolar representação no TCU contra ela por suposta promoção pessoal do presidente, apontando violação ao princípio da impessoalidade.

Além disso, apesar da ampla adesão ao novo consignado - R$ 1,28 bilhão foram liberados na primeira semana -, a ação foi alvo de forte reação nas redes, com 67% das 785 mil menções negativas ao tema, segundo análise feita pela consultoria Quaest.

Falas contrárias aos atos bolsonaristas organizados em prol da anistia dos presos do 8 de Janeiro também foram recorrentes no primeiro mês na pasta. No caso mais recente, após a manifestação na Avenida Paulista, Gleisi escreveu em um post no X em que afirma que o ex-presidente e seus aliados "seguem mentindo, ofendendo e ameaçando o Estado Democrático de Direito".

Há duas semanas, a ministra também comemorou o resultado do julgamento feito pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que aceitou a denúncia contra Bolsonaro e outros integrantes do "núcleo crucial" da trama golpista. Na ocasião, ela também saiu em defesa do ministro Alexandre de Moraes, após críticas sobre o uso de vídeos dos ataques às sedes dos Três Poderes durante a sessão. Gleisi reagiu aos comentários bolsonaristas, que classificaram a atitude do magistrado como "apelativa", dizendo que "não foi um ataque com batom, foi uma tentativa violenta de golpe de Estado".

Gleisi criticou ainda a decisão do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) de se licenciar do mandato, o que chamou de "encenação desesperada da família golpista". Também coube a ela rebater uma declaração do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que afirmou que Lula teme perder as eleições durante o ato bolsonarista no Rio. "É Bolsonaro que tem medo da prisão", reagiu.

A manutenção do discurso combativo nas redes reforça a "simetria" entre a postura adotada por Gleisi e a imagem construída por ela enquanto presidente do PT, analisa a cientista política pela PUC-SP e pesquisadora Juliana Fratini. Segundo ela, no entanto, o posicionamento online da ministra também tem potencial para afastar possíveis aliados políticos.

- Ao adotar um discurso enfático contra Bolsonaro e ao se alinhar firmemente ao STF, Gleisi fortalece sua base, mas corre o risco de se distanciar de potenciais aliados fora do campo ideológico tradicional do PT - analisa.

O desempenho da ministra, contudo, tem sido elogiado por aliados, como o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de comunicação do PT. Ele destaca que, mesmo mantendo suas posições ideológicas, ela tem conseguido apresentar ao Congresso projetos de interesse do governo, como o projeto de isenção do imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil e a PEC da Segurança Pública, além de ter reduzido a pressão de lideranças do Centrão no Congresso pela reforma ministerial até a saída de Juscelino Filho da pasta das Comunicações.

- Ela caiu no encanto tanto do povo do PT quanto com o pessoal do Centrão, e eu posso dizer isso pelo depoimento que tenho ouvido deles. Isso porque ela tem sido firme com as suas ideias, mas mantido a porta aberta para o diálogo. A relação com os líderes, principalmente da Câmara, melhorou visivelmente, acabando com aquela "fofocada" de "saí ministro, entra ministro" que tinha antes - diz Tatto.

Durante a sua primeira semana no cargo, a ministra enfrentou outra crise, gerada por um comentário do presidente Lula, que disse ter colocado uma "mulher bonita" na articulação para melhorar a relação com o Congresso. Ao falar sobre o episódio, a ministra direcionou sua resposta aos comentários considerados misóginos sobre ela por integrantes da oposição e defendeu o mandatário das críticas. Em um post no X, a ministra afirmou que "gestos são mais importantes que palavras" e disse que "não teve outro líder como Lula", em referência a indicações recentes feitas por ele de mulheres para cargos públicos.

Para o cientista político Rafael Cortez, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a postura de Gleisi ocupa um vácuo na comunicação deixado no governo pela saída de auxiliares como o ministro Flávio Dino, hoje no ministro STF, e que não havia sido preenchido até o momento por outros auxiliares do presidente:

- Ela tem, em comparação a outros ministros, maior liberdade. A questão é que agora, ocupando um lugar institucional, passa a ter o desafio de equilibrar isso com a articulação política no Congresso, enquanto ainda tenta superar o estigma de ser excessivamente de esquerda.

O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/04/10/no-primeiro-mes-de-esplanada-gleisi-cessa-criticas-a-haddad-mira-bolsonarismo-e-aposta-nas-redes.ghtml