"Em nome de uma liberdade aparente - manipulada por algoritmos que servem aos interesses lucrativos das Big Techs -, o processo político se afasta da participação popular, enquanto os modernos meios de comunicação são instrumentalizados para atender ao capital, agora sem fronteiras."
Por João Antonio Silva Filho
A política é e sempre será o principal instrumento de disputa pelo poder. Não há outro mecanismo, além dela, que viabilize a conquista e a manutenção do controle da máquina estatal. Ao longo da história, diferentes métodos foram utilizados para chegar e permanecer no poder, refletindo as características de cada sociedade e momento histórico.
Entre as formas de disputa política, a força bruta é uma das mais antigas. Utilizada por líderes ou grupos autoritários, seu objetivo primordial é subjugar os dominados, impondo-lhes obediência pelo medo e pela repressão. Esse método despreza o diálogo e a participação popular, favorecendo regimes autocráticos e centralizadores.
Outra estratégia comum é a manipulação por meio de promessas ilusórias e simplistas, sem viabilidade prática. Essa é a principal ferramenta dos populistas, que exploram os anseios da população com discursos sedutores, mas desprovidos de soluções concretas. Em sociedades com baixa educação política, essa tática encontra terreno fértil, dificultando a construção de projetos consistentes de desenvolvimento.
A forma mais legítima e desejável de disputa política ocorre dentro do Estado Democrático de Direito, onde diferentes ideias e projetos são debatidos publicamente. Para que essa dinâmica seja bem-sucedida, é fundamental que a sociedade seja politicamente educada e capaz de discernir propostas viáveis de meros engodos. Somente com um eleitorado informado é possível evitar que a maioria seja enganada por discursos vazios e soluções ilusórias.
O mundo nunca esteve livre de autocratas nem deixou de ser seduzido pelo populismo. Embora a democracia tenha se expandido globalmente, nunca conseguiu se tornar hegemônica. Isso ocorre porque o que realmente move a história não são as realizações concretas, mas as expectativas. Na política, essas expectativas são facilmente manipuláveis, tornando-se um terreno fértil para promessas irreais e discursos oportunistas.
No Brasil, políticos inescrupulosos exploram o sonho do enriquecimento rápido, disseminando a ideia de que o sucesso é resultado exclusivo do esforço individual. Essa mentalidade, impulsionada pelas redes sociais e alimentada pelas Big Techs, fortalece o individualismo competitivo e enfraquece a noção de coletividade. Como consequência, interesses corporativos se sobrepõem às demandas sociais, enquanto a solidariedade é distorcida e retratada como um obstáculo, em vez de um pilar fundamental para a construção de uma convivência coletiva equilibrada e sustentável.
A revolução tecnológica em curso traz inúmeros benefícios, mas também consequências profundas e inescapáveis. No plano econômico, o dinheiro circula sem lastro, e a acumulação de riqueza já não depende necessariamente da produção material. Não é preciso fabricar um único parafuso para gerar grandes fortunas. Como exemplifica Dora Kaufman em Desmistificando a Inteligência Artificial: "A GM demorou 70 anos para gerar um lucro de 11 bilhões de dólares com 840 mil funcionários, enquanto o Google precisou de apenas 14 anos para lucrar 14 bilhões de dólares com 38 mil funcionários. O exemplo talvez mais emblemático: em 2012, a Kodak declarou falência com 19 mil funcionários, tendo chegado a empregar 145 mil; no mesmo ano, o Instagram foi comprado pelo Facebook por 1 bilhão de dólares, contando com apenas 13 funcionários." Esses números ilustram de forma contundente a transformação econômica provocada pela tecnologia.
Na política, as redes sociais e seus algoritmos não incentivam o que traz consistência e harmonia à sociedade, mas sim aquilo que gera maior engajamento e impulsiona a velocidade das curtidas e compartilhamentos. Em outras palavras, o que interessa às Big Techs não é a qualidade ou a veracidade do conteúdo, mas o impacto emocional e a capacidade de viralização das postagens. Nesse cenário, as notícias falsas encontram um terreno fértil, favorecendo a manipulação da opinião pública e enfraquecendo o debate democrático.
Nos tempos atuais, a disputa pelo poder já não segue as tradicionais fórmulas de comunicação entre líderes e liderados. A força bruta vem sendo gradualmente substituída pela manipulação da opinião pública, baseada na supervalorização dos desejos e na estimulação das expectativas, em detrimento do debate de ideias e da busca por soluções para o futuro da humanidade. Em nome de uma liberdade aparente - manipulada por algoritmos que servem aos interesses lucrativos das Big Techs -, o processo político se afasta da participação popular, enquanto os modernos meios de comunicação são instrumentalizados para atender ao capital, agora sem fronteiras.
Os desafios são imensos. Como enfrentar o poder do dinheiro, que agora, mais do que nunca, controla a opinião pública ao promover a ilusão do lucro fácil e manipular as redes sociais por meio de algoritmos? Como conduzir uma reflexão honesta com a sociedade sem recorrer a falsas promessas? De que forma podemos democratizar o conteúdo digital para que ele atenda aos interesses da coletividade, e não apenas aos de grandes corporações? Diante desse cenário, é essencial um esforço coletivo, consciente e consistente, para que possamos superar essa fase histórica. Vivemos uma revolução em curso, na qual o novo ainda se estabelece enquanto o velho resiste em desaparecer. O futuro não pode ser apenas aguardado; ele precisa ser construído no presente.
https://joaoantonio837.wordpress.com/2025/03/02/os-desafios-da-politica-na-era-digital/